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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

24.08.20

Miguel Oliveira: “Asas Sobre Rodas”


Filipe Vaz Correia

 

 

 

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Miguel Oliveira venceu o grande Prémio da Áustria de Moto GP...

Um feito inédito para um Português, para a maior parte dos comuns mortais, para um Almadense de gema.

Por entre os mergulhos de piscina, a final da Liga dos Campeões, este feito passou despercebido a este que vos escreve, só dele me apercebendo no fim da noite...

Não quis acreditar.

Não sou o maior entusiasta de corridas de motos, apesar de há muitos anos vibrar com as disputas entre Kevin Schwantz e Wayne Rainey, as épicas batalhas entre Yamaha, Honda e Suzuki...

Outros tempos, outras batalhas.

Esta vitória de Miguel Oliveira tem tanto de extraordinária como de bela, tem tanto de surpreendente como de previsível, tem tanto a ver com trabalho como com o sonho imaginário de um inquieto menino.

Nestes pequenos traços de História ficam perpetuados os gestos, as palavras, as impulsivas reacções de quem sonhou com cada parcela deste momento.

No seu discurso de vitória, Miguel Oliveira, falou dos seus Pais, dos seus Patrocinadores, da sua equipe e por fim dos Portugueses...

Embargado pela emoção ressalvou que somos os melhores, ou seja, traduzida na sua vitória estaria implícita essa crença maior de um Povo que atravessou mares e oceanos, descobriu terras e refutou medos, percorreu destinos em profundos desatinos durante quase 9 séculos de História.

Emocionei-me...

Abracei com essa, minha, emoção cada pedaço de suas palavras num gigante gesto de um Vencedor.

Grande Miguel...

Irei passar a ver cada corrida, cada volta e curva, aguardando que em cada linha de meta se possa erguer a palavra poética daqueles que escrevendo abraçaram oceanos, encurtaram terras, amarraram desbravadamente o sentido maior da nossa Portucalidade.

Obrigado Miguel...

Um voador sobre rodas.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

 

 

 

22.08.20

Caldeirada Com Todos... “Alice Alfazema”


sardinhaSemlata

 

 

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fotografia de Robinson Kanes

 

 

Uma viagem de Domingo numa Traineira

 

O peixe sempre fez parte da minha vida, desde o seu cheiro às suas entranhas. Um peixe escamado é mais vulnerável, um peixe de olhos vermelhos não interessa a ninguém, o peixe fresco é aquele que ainda tem sabor a mar, e o mar é a imensidão das possibilidades que podemos usufruir. O que venho aqui partilhar hoje: é um dia da minha vida numa Traineira. Obrigada pelo convite Robinson, é um gosto poder fazer parte destes dias de caldeirada com todos (a caldeirada de que mais gosto é a de pata-roxa). O tema que trago não é político, ou que contribua para a mudança da sociedade, talvez não se encaixe neste espaço, é só e apenas um modo de dizer que uma traineira não se resume a um instrumento de trabalho, é também ela um modo de vida.

 

Num Verão, já muito distante, passei muitos domingos de Sol a bordo de uma traineira.

É de um dia destes que vos vou falar, talvez não seja um dia, mas a mistura de todos eles, são aqueles pormenores que de vez em quando recordo, são lembranças de mim enquanto criança que despertam agorapara o quotidiano. Naquele tempo, o meu pai trabalhava numa traineira azul clara, que tinha nome de homem; os donos, um casal sem filhos, gostavam de passear pelo Sado ao domingo e, apesar da faina diária e de ser dia de folga, era nesses dias que pairava a descontração e a vontade de usufruir do Rio, de Tróia e da Serra da Arrábida. Assim, partíamos de manhãzinha, quando a neblina ainda estava agarrada às águas do Sado, o Sol despontava também animado com a nossa viagem, carregávamos a comida para o bote e depois para o barco. A minha bagagem era simples, uma toalha de praia e expectativas, muitas. Avizinhava-se um dia em grande, quanto mais comprido fosse melhor, ninguém se importava de se levantar cedo, tenho a noção que nem dormia bem durante a noite, à espera que ela acabasse. O roncar do motor do barco acordava as gaivotas que por ali houvesse, o meu pai acendia um cigarro e exalava o fumo enquanto largava as amarras, depois, numa manobra elegante e experiente, o Mestre retirava o barco do porto e levava-o para o Rio. A brisa cobria tudo, cheirava a manhã e a rio, a espuma branca ladeava o barco, criando ondasna popa, o bote que ia agarrado com uma corda lançava-se nessas ondas como se tivesse medo de ficar sozinho. Íamos até à Ponta do Verde, se havia muita gente rumávamos até à Caldeira e fundeávamos o barco, umas vezes mais ao largo, outras mais perto de terra, quase sempre se via a fatexa no fundo, mas havia outras em que a água estava tão verde escura que tudo parecia ser possível acontecer naquele lugar, pelo menos na minha imaginação. A manhã era passada ali, onde eu e o meu irmão dávamos uns mergulhaços bombásticos, e não havia direito a ter medo, porque se tal acontecesse o meu pai fazia o favor de nos amandar borda fora. Era um sobe e desce da água para o barco, até que a fome se agigantava a cada cinco minutos e fazia-nos ouvir os roncos do nosso próprio estômago. Lá para as onze da manhã os adultos começavam a preparar o almoço, acendia-se o fogareiro, salgava-se o peixe, coziam-se batatas e fazia-se salada de tomates com pimentos assados. Quando as batatas estavam cozidas juntavam-se à salada (que isto de estar num barco pequeno exige muita logística!), assim numa só taça ficavam as batatas e a salada. A mesa era pequena e a malta espalhava-se pelo barco, o fumo do fogareiro travava duelos com o vento marítimo. No meio do balanço manso do barco, do cheiro da comida no ar, de um apetite voraz, do Sol abrasador, do verde e do azul misturados por toda a paisagem, as ondas tocavam tambores no casco azul claro da embarcação, agitando-se ao gosto do vento. Na outra margem Setúbal espreitava-nos, enquanto alguns reflexos de luz no riocegavam-nos momentaneamente. Ficávamos com a barriga a abarrotar, e como depois de comer não podíamos ir ao banho, adivinhavam-se três horas sem fazer nada? Rumávamos então até à Albarquel. Nessa época a praia era uma pequena baía onde abundavam algas, rochas, polvos, camarões, linguados, mexilhões e uma infinidade de animais marinhos. A água era calma, lisa e verde maravilha. Era hora de andarmos de bote. Eu e o meu irmão íamos por ali fora até atinarmos com os remos, depois tudo era fácil, para a esquerda, para a direita, marcha à ré, e no meio de tudo isto, como se de uma floresta se tratasse, as algas vinham quase à superfíciejuntando-se, por vezes, alforrecas pelo meio. Eu, medricas, não gostava de nadar ali, lado a lado com aquelas algas gelatinosas e arrepiantes. Ficava-me então pelo remo, e de vez em quando uma mãozinha na água. Depressa chegava o final do dia e as escamas do peixe espalhadas pelo convésmuito que estavam secas, ao pisá-las com os pés descalços sentia o sal juntar-se a mim. Estava quase na hora de voltarmos, mas antes uma última paragem. Outão! Aqui eu podia apreciar os remoinhos na água, ver a saída da Barra e a selvagem grandeza da Serra. A minha pele estava curtida do sol, de tão escura ficava esbranquiçada do sal. Seca e áspera. Comíamosentão um lanche na volta à cidade. O Sol já se punha, havia o cheiro a gasóleo no ar, os salpicos de mar na minha cara, uma toalha pelos ombros e ao longe as luzes da cidade começavam a aparecer.  A viagem para terra parecia-me sempre mais curta, as gaivotas por vezes acompanhavam-nos, dando aqueles gritos estridentes de liberdade, depressa entravamos no porto e descíamos para terra, onde subíamos uns degraus cheios de lismos, e onde sempre me chamavam a atenção para ir devagar, o que era o mesmo que me dissessem para ir bem depressa, foi aí que um dia caí e fiz uma mossa na canela da perna, mas afirmei com convicção que não me doeu nada, que era só um arranhão, no entanto aquilo doeu-me até ao tutano, sendo que ainda hoje se passar com a mão sinto aquela cova no osso. Foi num dia destes. Qual deles não sei.

 

 

Alice Alfazema

 

 

 

 

   

21.08.20

Gamers


JB

"High Score", um novo documentário da Netflix saiu esta semana. Conta-nos a história dos videojogos, desde que começaram até aos dias de hoje. 
Para quem gosta do tema, como é o meu caso, é muito interessante e até me deu o mote para o texto de hoje.
De onde vem este fascínio por videojogos, não só meu mas de grande parte do planeta? É uma indústria que continua a crescer e das poucas que ainda terá ganho maior dimensão com a pandemia. Porque é que tanta gente acha fascinante carregar em botões com os dedos e ver pixeis a movimentarem-se num ecrã? 
Por vários motivos, penso. Se tivesse que resumir numa frase, seria esta:

Pelo contraste com a vida real.

Num jogo as regras são iguais para todos. Cada um começa no mesmo ponto de partida, com o mesmo hp (pontos de vida), as mesmas capacidades e os mesmos desafios. Este ponto é crucial para a qualidade de um jogo, apesar disso algumas empresas produtoras de jogos adicionaram opções para alguns jogadores poderem pagar para ter vantagens no jogo em relação a quem compra apenas a versão standard. Esses jogos são rapidamente denunciados pela comunidade de jogadores como 'pay to win'  e por isso são pouco respeitados, sendo a excepção à regra.

Num jogo não existem consequências. Nos primórdios, no tempo dos salões de máquinas de jogos (ponto de encontro mítico da minha juventude) a única consequência era gastar mais uma moeda de 50 escudos; hoje em dia não existem consequências nenhumas, salvo aquelas que possam fazer parte do próprio jogo. Isso torna a 'arena' do jogo um local muito interessante, nela cada jogador é livre para escolher o que realmente quer, sem medo de julgamentos ou censuras. Zlavoj Zizek, um filósofo e psicanalista que aprecio bastante, argumenta que o avatar de cada um (personagem virtual de cada jogador) é uma imagem mais realista de quem o jogador é do que a própria realidade. 

Cada jogador terá depois as suas próprias motivações e gostos particulares; daì haver uma oferta tão variada de jogos mas os pontos que referi são comuns a todos. 

Existem, como em tudo na vida, os detractores dos jogos.  'os jogos tornam as crianças violentas' Esta é a crítica mais engraçada, quanto a mim. Antes de 1960 não havia violência na humanidade? Ficamos mais violentos depois disso? 

A indústria dos jogos tem vindo a prosperar porque tem valor. Ensina a resolver problemas, capacidades de comunicação e nalguns casos até trabalho de equipa. Tem sucesso porque tem gente inteligente a produzir e consumidores exigentes. Hoje em dia existem muitos jogos que são obras de arte, ao nível de grandes filmes de Hollywood. Com a diferença que nesse filme, cada jogador é o protagonista e até pode ter influência no argumento.

Antes dos jogos, cada um tinha uma vida. Agora, podemos dividi-la em pequeninas e incontáveis vidas e em cada uma delas ser astronauta, caçador de monstros , samurai ou até treinador/jogador da nossa equipa de futebol do coração etc etc.

Às vezes oiço "Ah eu, não deixo os meus filhos jogar nada!"...

Até me arrepio.

 

 

JB

20.08.20

Identidade, Expressão, Orientação e Sexo


Triptofano!

Identidade, Expressão, Orientação e Sexo

Qualquer discussão de Facebook que se preze relativamente aos assuntos LGBTI+ tem que ter alguém a fazer uma confusão do tamanho do universo relativamente aos temas de identidade de género, expressão de género, orientação sexual e sexo biológico, e normalmente acaba tudo catalogado como farinha do mesmo saco, quando na verdade não o é.

O sexo biológico refere-se ao conjunto dos órgãos reprodutores, especialmente dos órgãos sexuais externos, das hormonas e dos cromossomas, sendo que pode haver um pénis ("macho"), uma vagina ("fêmea"), ou existir um caso de intersexo, que pode ou não traduzir-se em hermafroditismo.

A identidade de género é a forma como nós nos olhamos e nos identificamos. Se tiver nascido homem e me sentir homem então sou cisgénero. Se tiver nascido homem e me sentir mulher então sou transgénero. É possível ter uma identidade de género fluida, o que significa que posso me identificar uns dias mais como uma mulher e noutros mais como um homem. Também é possível não me identificar com nenhum dos géneros. Em qualquer destes casos seria então uma pessoa não-binária.

A expressão de género é o que, na minha opinião, acaba por ser mais irrelevante e acaba por ser uma forma da sociedade fazer caixinhas sendo que é um conceito que está em constante transformação. É a forma como a pessoa percepciona o seu género e o transmite à sociedade, através de roupas, acessórios e linguagem corporal.

A pessoa pode ter uma expressão de género feminina, masculina ou andrógina, sendo que, a meu ver, vão ser termos que com o tempo vão ter as suas fronteiras cada vez mais mescladas. Antigamente quando a primeira mulher usou calças estava a ter uma expressão de género masculina, sendo que hoje em dia é algo completamente banal. Um homem que use unhas pintadas com verniz não necessita de se sentir mulher, apenas esse hábito está associado ao género feminino, tal como ter uma voz mais fina ou maneirismos. Uma mulher com o cabelo curto e com músculos também tem uma expressão de género masculina, porque esse tipo de fisionomia foi associada ao género masculino.

A orientação sexual não tem nada a ver com a parte do género mas sim com quem amamos. Se eu for "macho", sentir-me homem e amar outro homem então sou homossexual. Se eu for "macho", sentir-me mulher e amar um homem então sou heterossexual. Se eu for "macho", sentir-me homem e amar uma mulher então sou heterossexual. Se eu for "macho", sentir-me homem e amar um homem que tem uma expressão de género feminina então eu sou homossexual. Se eu for "macho", sentir-me homem, tiver uma expressão de género feminina e amar uma mulher então sou heterossexual. Se eu for "macho", sentir-me homem, e amar um homem e uma mulher então sou bissexual.

Provavelmente a vossa cabeça está com um grande nó neste momento. E talvez estejam a pensar que isto são tudo modernices e que as pessoas adoram inventar coisas para chocar ou sentirem-se diferentes.

Mas a verdade é que quanto mais liberdade existe para se viver a nossa verdade e quanto mais ferramentas existem para descobrirmos quem realmente somos, mais temos a certeza que o mundo não é apenas branco e preto, mas sim uma escala interminável de cinzentos.

Identidade, Expressão, Orientação e Sexo

 

19.08.20

Temos que Agir


ó menina

"Temos de reagir antes que seja tarde. E usar as palavras contra o insidioso ataque à democracia, ao multiculturalismo, à justiça social, à tolerância, à inclusão, à igualdade entre géneros, à liberdade de expressão e ao debate aberto."

in Carta aberta dos escritores de língua portuguesa contra o racismo, a xenofobia e o populismo e em defesa de uma cultura e de uma sociedade livres, plurais e inclusivas

Temos. Temos todos a obrigação de agir e reagir antes que seja tarde. Não podemos deixar que as pequenas questões do dia-a-dia nos impeçam de ver o que está à nossa volta. 

Deixo-vos o filme "Schwarzfahrer" do realizador Pepe Danquart para fruição e reflexão.

(Não encontrei legendagem em português mas é muito acessível desde que vejam até ao fim). 

Boa semana!