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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

31.03.21

Ode a nada, ou o desastre de uma poesia mal amanhada


Sarin

não esqueci as respostas mudas

largadas quietas no sereno teclado

vibrando na espera de, fracas ou taludas,

ocuparem seu canto do espanto afastado

 

mas

morrendo certo, viveu errado

o Poeta

que mais quis à vontade do que à vida

 

- pois nem tudo vale a pena (antes valera!)

tenha a alma o tamanho que tiver.

E às Fúrias encomendo a Primavera

e o sacana que a queira defender!

 

Fiquem bem. Fiquem muito bem, e que a Estação vos não seja apeadeiro. Eu tentarei apanhar o próximo comboio. Com a Doris Day, que ia ficando para trás...

 

29.03.21

Quarto Escuro...


Filipe Vaz Correia

 

 

 

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O quarto escuro, tão escuro que ameaçava trancar nele todos os sonhos do mundo e transformá-los em pesadelos, secretos segredos que esvoaçavam ao longe num bater de asas que afugentava a realidade.

Singelamente o mar ia chegando, secretamente ondulado, intensamente segredado, tão imensamente arrebatador.

As palavras, sempre elas, flutuavam na crista da onda, como barcos flutuantes aguardando em cada praia, areal, a ligação perfeita para tamanho naufragar...

Naufragando os sonhos, submergindo os anseios, sobrevivendo tamanhos receios, nadando sufocantemente nessa esperança esmagadora de uma singela viagem.

Os ponteiros do relógio iam caminhando discretamente, por entre, as escolhas inadiáveis que se apresentam ao vento, firme firmamento de uma noite estelar.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac, na voz de um anjo, angelical contradição de um desesperante desapego, meio esquecido, meio perdido, num imaginado desenho ferido, escondido em cada esquina de um pedaço de sofrimento intermitente.

Palavras e palavras numa imensidão de mar, infinito horizonte que se presta ao luar, sem sentido, desprendido, numa cascata desconexa disfarçada de desabafo.

Quem se atreve a desenhar nessa folha molhada, salgada, carregada de mágoas, em águas nunca dantes aventuradas...

Quem?

Quem ousa olhar para tamanho mar e imaginar que de teus olhos foi capaz de brotar?

Arde ardentemente esse querer maior, essa vontade pincelada na canção trauteada no cais de um porto, do alto de um navio, de uma janela virada para o mar, vislumbrando essa estrada estreita e inclinada...

Estrada estreita e inclinada, traçada e imperfeita, repleta de poesia, de solitária magia, num rabisco  intemporal.

O quarto escuro...

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

27.03.21

Caldeirada Com Todos... “Jorge Almedina Loção”


sardinhaSemlata

 

 

 

 

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"Há muitos anos que deixei de escrever entorpecido por um tempo de amarras infiltradas na minha sedenta vontade de sofrença."

Não são palavras minhas mas sim de um velho amigo que parava no café central de Garvão, Baixo Alentejo, em certo tempo de outros momentos.

Quando o Filipe me pediu para escrever, apesar de não nos conhecermos somos ambos filhos de um Baixo Alentejo que nos marca, recordei as palavras acachapadas deste velho sábio entre copos de vinho nas mesas daquele café.

O rosto marcado, a voz meio queimada dos cigarros sem filtro, as barbas brancas e os dedos amarelados.

Tio Tóino do Besugo.

Tóino de António, Besugo permanece sem explicação.

Profecias, rimas, sabedorias, tristezas tudo tinha lugar na expressão daquele homem, nas cruzadas palavras que tomavam conta dele.

sofrença, uma mistura de sofrimento e lembrança, na linguagem sofrida de um solitário  viajante.

Deixei de ir para Garvão depois da morte de meus avós mas esta imagem, este homem sempre me acompanhou, esta recordação sempre me perseguiu.

Esta frase, início do texto,  encontra-se num livro antigo da casa do povo daquela localidade, guardado por meus avós e que já homem por acaso encontrei.

Ali vi aquele nome recordando imediatamente aquela figura.

Porquê?

Não sei.

Mas ficou.

Agradecer a todos os SardinhaSemlata pela oportunidade.

Obrigado amigo Filipe Vaz Correia.

 

 

Jorge Almedina Loção

 

 

 

 

 

 

26.03.21

Coisas que parecem muito inteligentes mas depois vai-se ver melhor e afinal são estúpidas - 1º episódio.


JB

 Mais um 'mass shooting' nos Estados Unidos e mais uma vez não existe solução à vista. Os democratas pedem para banir as armas de assalto e os republicanos consideram isso um atentado à segunda emenda dos Estados Unidos. Tudo ficará na mesma. Haverá mais. Em Portugal, uma manifestação de cerca de 3000 pessoas a dizer que o Covid não existe entre outros disparates.

 Aquilo que nos distingue dos animais é a palavra, assim que deixamos de lhe dar importância, o entendimento deixa de ser possível. Seria certamente impensável para um cidadão grego contemporâneo dos grandes filósofos, acreditar que no futuro - em 2021 por exemplo - a maioria das pessoas não sabe identificar ou nomear uma simples falácia. Como gosto muito da palavra de uma maneira geral (e gosto muito de desmontar falácias e outras artimanhas que pessoas espertas usam para parecer inteligentes) hoje iniciei esta nova rúbrica: espero que seja útil.

   Coisas que parecem muito inteligentes mas depois vai-se ver melhor e afinal são estúpidas.

 1. A falácia 'straw man'. Deturpar um argumento e depois rebater o argumento inventado. Um exemplo: alguém crítica a manifestação dos negacionistas do Covid, diz que são malucos que deviam ser multados por pôr em causa a saúde pública.  Alguém, que por algum motivo queira atacar a pessoa que diz isso, pode sempre responder: "agora querem pôr as pessoas na cadeia por expressar a sua opinião. São como o Hitler." Inventou um argumento que não existe e é absurdo, rebate-o com sucesso e fica a parecer muito inteligente, só que afinal...

2.  Pessoas que querem mostrar que sabem inglês (e não sabem) a tentar dizer Apple. Soa sempre 'aiple'   que não existe em língua nenhuma. Ninguém parece mais inteligente ou culto quando diz 'aiple'.

3. Citações com imagens motivadoras e/ou sábias nas redes sociais. Então se tiverem erros ortográficos é mesmo estúpido e garanto que não têm o efeito pretendido.
  
  4. Lembro-me bem desta conferência de imprensa do Abel Xavier, ex-jogador da seleção nacional de futebol. Ele já se tinha retirado do futebol e estreava-se agora como treinador principal de uma equipa qualquer. Em resposta a uma pergunta diz o seguinte: " o que é um treinador? É aquele que treina a dor", conclui com um ar triunfante, "e um jogador? É aquele que joga a dor." Intensifica o ar triunfante perante os jornalistas embasbacados. Confesso que também eu num momento inicial fiquei surpreendido com a simplicidade genial da desconstrução, mas depois passaram dois segundos e percebi que aquilo que parecia inteligente afinal era estúpido. Então e o canalizador? É o que canaliza a dor? E se for num grupo de forcados, o rabejador é o quê? Nem quero pensar nisso. 

   5. A falácia 'et quoque' ou o whataboutism. A preferida dos espertos. Alguém diz: "o Bolsonaro é ruim". Resposta do esperto: "gostavas do Lula?"; alguém diz: "o assassinato ao George Floyd foi um crime desumano e inqualificável. Resposta do esperto: "há ladrões que matam polícias e ninguém fala nisso". Nunca falam no assunto em causa, desviam o tema e ficam a achar que são muito inteligentes, quando afinal... É só estúpido.

  Apenas alguns exemplos para todos estarmos atentos. Existem muitas falácias e vale a pena conhecê-las: todos as usamos de forma mais ou menos voluntária. Devemos fazer um esforço consciente para deixar de o fazer. 

 

 

JB   

*PS   - Neste meu texto falo das falácias de argumento, não nas falácias de uma maneira geral. Um amigo enviou-me esta mensagem que pela sua relevância transcrevo em baixo (muito obrigado NVM)!

"As «falácias lógicas» ou «de argumento.» mais recorrentes são:
1. «ad hominem» - o ataque à pessoa em vez do rebate ao argumento. Exp. - «O Trump é um imbecil, logo o Trump não pode estar certo.»
2. «et quoque» (a) e «whataboutism» (b) - apelo à hipocrisia ou relativismo moral. Muito usado pela Esquerda e pela Joacine Katar. Expl. (a) «Diz isso porque ele é preto, se fosse branco já não diria», (b) « Diz que o Maduro é ditador, mas não se preocupa com o que se passa com o Bolsonaro.»
3. «argumentum ad antiquitatem»(a), «Argumentum ad verecundiam»(b) e «No true Scotsman»(c)- Muito usado pela Direita e pelo Ventura: apelo à antiguidade ou à autoridade ou nacionalidade.Expl. (a) «Se já os nossos avós o faziam, é porque está certo.», (b) «Se o chefe o diz, é porque está certo», (c) «Nenhum português verdadeiro pensaria tal coisa.»;
4. «argumentum ad populum», argumentum ad passiones». Os favoritos dos populistas. Ou apelam às massas («Toda a gente é a favor da pena de morte») ou às emoções («Um filho que não é gerado em amor será infeliz. Logo a mãe deve abortar.»);
5. Generalização precipitada. Fazer uma generalização de um amostra muito pequena. expl. «Conheci uma loura que era muito burra. Todas as louras são muito burras."

   

Depois ainda temos, constantemente, os argumentos «non sequitur».**

Afirmação do consequente é uma falácia lógica de non sequitur que consiste em confundir o antecedente com o consequente, ou seja, consiste em afirmar a consequência. Toma a forma[1]:

Se A então B B Portanto, A

Exemplos

Se jogamos bem, ganhamos.
Ora, ganhamos.
Logo, jogamos bem.

Este argumento é falacioso porque, mesmo que as premissas em si sejam verdadeiras (o que não é o caso deste exemplo, tendo em vista que a primeira premissa é demonstravelmente falsa), a conclusão não segue delas, já que a equipa poderia ter ganho porque, por exemplo, a equipa adversária não só jogou pior como o árbitro ajudou numa má atuação.

Se Bill Gates for Presidente do Brasil, então ele é rico.
Bill Gates é rico.
Logo, Bill gates é Presidente do Brasil..

Esse argumento é obviamente falso, pois para ser rico não é necessário ser Presidente do Brasil.

Argumentos da mesma forma podem parecer superficialmente convincentes, como vemos no exemplo abaixo:

Se estou gripado, tenho dor de garganta.
Estou com dor de garganta.
Portanto, estou gripado.

Estar gripado não é a única causa de dor de garganta, portanto, a implicação não é verdadeira.)

 

*adenda feita a 27 Mar

**cit. in. Wikipedia

     

25.03.21

A Insuspeita História do Usucapião de Competências


Triptofano!

Ana Rita Cavaco vem novamente afirmar que a administração de vacinas por parte dos farmacêuticos é uma competência que não lhes pertence.

Poderíamos dizer que ARC estava preocupada com a Saúde Pública dos Portugueses, e além de denunciar os fura-filas com maior ou menor IMC, era a sua missão de vida garantir que nenhum cidadão era vacinado por quem não tivesse competência para tal.

Infelizmente a Excelentíssima Bastonária da Ordem dos Enfermeiros esqueceu-se que desde 2007, em estrito cumprimento dos requisitos estabelecidos pelo Infarmed, os Farmacêuticos já administraram milhões de vacinas. Pior ainda, essa Classe Profissional até tem formação específica que lhes permite actuar em caso de reacções adversas, anafiláticas incluídas. E não, actuar em caso de reacção anafilática não é igual a por o utente na borda do passeio e esperar que o INEM chegue.

Claro que podemos pensar que isto são loucuras típicas deste nosso pequeno país, mas a verdade é que muitos outros países já usam os Farmacêuticos para administrar vacinas, e parece que tudo e todos convivem pacificamente com tal facto.

ARC lembrou-se em plena pandemia, altura em que se devem construir pontes e não mandar um meteorito para cima delas, que o problema da nação eram os Farmacêuticos vacinarem. 

Tudo bem, posso até compreender que denegrir uma Classe Profissional seja uma boa estratégia para fazer pressão com o Estado para haver mais enfermeiros contratados com melhores salários. E eu sou o primeiro a apoiar mais enfermeiros com melhores salários. O problema é quando temos telhados de vidro e gostamos de brincar a mandar calhaus.

ARC já anteriormente tinha dita que os Enfermeiros não dispensavam, e que cada macaco devia estar no seu galho. Ora excepção a esta regra deve ser por exemplo os Enfermeiros que dispensam medicação anticoncepcional. Ou a terapêutica para a tuberculose. Ou mesmo que preparam as vacinas do Covid - função que podem não acreditar mas é da competência dos Farmacêuticos.

Pelo facto de a existência de Farmacêuticos em Centros de Saúde e locais similares não ser mais que uma miragem, os Enfermeiros começaram a fazer usocapião de competências. De uma forma totalmente insuspeita, porque afinal os utentes precisam e os Enfermeiros não iam bater o pé e fazer greve e protestos contra estarem a usurpar as competências dos Farmacêuticos.

Fico à espera que numa próxima entrevista ARC afirme com a sua paixão habitual que o Estado precisa de contratar Farmacêuticos, e que os Enfermeiros não podem mais assegurar tarefas que não são sua competência.

Nesse momento serei o primeiro a mandar-lhe uma mensagem a agradecer tudo o que faz em prol da Saúde Pública do nosso país.

 

 

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