Mais um 'mass shooting' nos Estados Unidos e mais uma vez não existe solução à vista. Os democratas pedem para banir as armas de assalto e os republicanos consideram isso um atentado à segunda emenda dos Estados Unidos. Tudo ficará na mesma. Haverá mais. Em Portugal, uma manifestação de cerca de 3000 pessoas a dizer que o Covid não existe entre outros disparates.
Aquilo que nos distingue dos animais é a palavra, assim que deixamos de lhe dar importância, o entendimento deixa de ser possível. Seria certamente impensável para um cidadão grego contemporâneo dos grandes filósofos, acreditar que no futuro - em 2021 por exemplo - a maioria das pessoas não sabe identificar ou nomear uma simples falácia. Como gosto muito da palavra de uma maneira geral (e gosto muito de desmontar falácias e outras artimanhas que pessoas espertas usam para parecer inteligentes) hoje iniciei esta nova rúbrica: espero que seja útil.
Coisas que parecem muito inteligentes mas depois vai-se ver melhor e afinal são estúpidas.
1. A falácia 'straw man'. Deturpar um argumento e depois rebater o argumento inventado. Um exemplo: alguém crítica a manifestação dos negacionistas do Covid, diz que são malucos que deviam ser multados por pôr em causa a saúde pública. Alguém, que por algum motivo queira atacar a pessoa que diz isso, pode sempre responder: "agora querem pôr as pessoas na cadeia por expressar a sua opinião. São como o Hitler." Inventou um argumento que não existe e é absurdo, rebate-o com sucesso e fica a parecer muito inteligente, só que afinal...
2. Pessoas que querem mostrar que sabem inglês (e não sabem) a tentar dizer Apple. Soa sempre 'aiple' que não existe em língua nenhuma. Ninguém parece mais inteligente ou culto quando diz 'aiple'.
3. Citações com imagens motivadoras e/ou sábias nas redes sociais. Então se tiverem erros ortográficos é mesmo estúpido e garanto que não têm o efeito pretendido.
4. Lembro-me bem desta conferência de imprensa do Abel Xavier, ex-jogador da seleção nacional de futebol. Ele já se tinha retirado do futebol e estreava-se agora como treinador principal de uma equipa qualquer. Em resposta a uma pergunta diz o seguinte: " o que é um treinador? É aquele que treina a dor", conclui com um ar triunfante, "e um jogador? É aquele que joga a dor." Intensifica o ar triunfante perante os jornalistas embasbacados. Confesso que também eu num momento inicial fiquei surpreendido com a simplicidade genial da desconstrução, mas depois passaram dois segundos e percebi que aquilo que parecia inteligente afinal era estúpido. Então e o canalizador? É o que canaliza a dor? E se for num grupo de forcados, o rabejador é o quê? Nem quero pensar nisso.
5. A falácia 'et quoque' ou o whataboutism. A preferida dos espertos. Alguém diz: "o Bolsonaro é ruim". Resposta do esperto: "gostavas do Lula?"; alguém diz: "o assassinato ao George Floyd foi um crime desumano e inqualificável. Resposta do esperto: "há ladrões que matam polícias e ninguém fala nisso". Nunca falam no assunto em causa, desviam o tema e ficam a achar que são muito inteligentes, quando afinal... É só estúpido.
Apenas alguns exemplos para todos estarmos atentos. Existem muitas falácias e vale a pena conhecê-las: todos as usamos de forma mais ou menos voluntária. Devemos fazer um esforço consciente para deixar de o fazer.
JB
*PS - Neste meu texto falo das falácias de argumento, não nas falácias de uma maneira geral. Um amigo enviou-me esta mensagem que pela sua relevância transcrevo em baixo (muito obrigado NVM)!
"As «falácias lógicas» ou «de argumento.» mais recorrentes são:
1. «ad hominem» - o ataque à pessoa em vez do rebate ao argumento. Exp. - «O Trump é um imbecil, logo o Trump não pode estar certo.»
2. «et quoque» (a) e «whataboutism» (b) - apelo à hipocrisia ou relativismo moral. Muito usado pela Esquerda e pela Joacine Katar. Expl. (a) «Diz isso porque ele é preto, se fosse branco já não diria», (b) « Diz que o Maduro é ditador, mas não se preocupa com o que se passa com o Bolsonaro.»
3. «argumentum ad antiquitatem»(a), «Argumentum ad verecundiam»(b) e «No true Scotsman»(c)- Muito usado pela Direita e pelo Ventura: apelo à antiguidade ou à autoridade ou nacionalidade.Expl. (a) «Se já os nossos avós o faziam, é porque está certo.», (b) «Se o chefe o diz, é porque está certo», (c) «Nenhum português verdadeiro pensaria tal coisa.»;
4. «argumentum ad populum», argumentum ad passiones». Os favoritos dos populistas. Ou apelam às massas («Toda a gente é a favor da pena de morte») ou às emoções («Um filho que não é gerado em amor será infeliz. Logo a mãe deve abortar.»);
5. Generalização precipitada. Fazer uma generalização de um amostra muito pequena. expl. «Conheci uma loura que era muito burra. Todas as louras são muito burras."
Depois ainda temos, constantemente, os argumentos «non sequitur».**
Afirmação do consequente é uma falácia lógica de non sequitur que consiste em confundir o antecedente com o consequente, ou seja, consiste em afirmar a consequência. Toma a forma[1]:
Se A então B B Portanto, A
Exemplos
- Se jogamos bem, ganhamos.
- Ora, ganhamos.
- Logo, jogamos bem.
Este argumento é falacioso porque, mesmo que as premissas em si sejam verdadeiras (o que não é o caso deste exemplo, tendo em vista que a primeira premissa é demonstravelmente falsa), a conclusão não segue delas, já que a equipa poderia ter ganho porque, por exemplo, a equipa adversária não só jogou pior como o árbitro ajudou numa má atuação.
- Se Bill Gates for Presidente do Brasil, então ele é rico.
- Bill Gates é rico.
- Logo, Bill gates é Presidente do Brasil..
Esse argumento é obviamente falso, pois para ser rico não é necessário ser Presidente do Brasil.
Argumentos da mesma forma podem parecer superficialmente convincentes, como vemos no exemplo abaixo:
- Se estou gripado, tenho dor de garganta.
- Estou com dor de garganta.
- Portanto, estou gripado.
Estar gripado não é a única causa de dor de garganta, portanto, a implicação não é verdadeira.)
*adenda feita a 27 Mar
**cit. in. Wikipedia