Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

31.05.21

Ainda... A “Marquise” Do Ronaldo


Filipe Vaz Correia

 

 

 

71142613-29A9-47FB-BB0C-823F06DE2DB9.jpeg

 

 

 

A marquise de Ronaldo...

Já tanta gente escreveu sobre este pecadilho do "nosso" Ronaldo que eu timidamente me atreverei a escrever aqui algumas linhas.

A marquise que para muitos seria jardim de inverno, serviu de mote para horas de emissão na CMTV, para um Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ir a um Jornal Nacional de uma estação privada, para tantas e tantas parangonas...

O escândalo na sociedade Portuguesa, a devassa de toda uma Nação.

O gélido temor de todos os detentores de uma marquise nas avenidas novas, da João XXI à Miguel Bombarda, em toda a Lisboa e arrebaldes...

O que está por trás  desta manifestação sobre a "marquise" do Ronaldo, nada tem a ver com leis, nada tem a ver com parâmetros arquitectónicos, simplesmente tem a ver com o trauliteiro sentimento de ressabiamento tão entrincheirado no âmago Lusitano.

É por ser Cristiano Ronaldo?

Claro que sim...

Nada mais!

Nesse pulsar da indignação se esconde essa crua "inveja" que tanto nos caracteriza, esse sentir que escolhe o alvo, que se mistura nas primeiras páginas do jornal.

Com esta indignação se libertam anos e anos de contida gritaria amarrada aos sucessos de um miúdo que se atreveu a contrariar a sua história, a reescrever cada linha do seu destino.

Como isso pode ser amargo para tantos que olhando para essas linhas se sentem injustiçados pelo tempo, pelos momentos...

É a vida.

Para terminar deixar lavrado em palavra que também eu sou proprietário de uma marquise, aqui nas avenidas novas da nossa Lisboa, esperando que o Drº Fernando Medina não vá a um qualquer Jornal Nacional botar palavra contra a minha construção "clandestina"...

Olhei à volta, para todos os prédios que circundam a minha casa, e espante-se a alma...

Todos têm uma marquise.

Enfim...

Mas nenhum de nós é o Ronaldo.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

 

 

 

 

28.05.21

França - Roma - Picasso


JB

Primeiro amor:

 Nasceu em França e vivia em Portugal. Era loira e não devia ter mais de 1,70. Umas sobrancelhas pretas finas e a boca sempre com um baton encarnado subtil (se é que isso é possível). À excepção da cara a pele clara mal se via, só através dos sapatos de salto alto pretos que costumava usar, com umas calças de ganga justas e uma camisola de lã branca apertada. Encantava-me a sua voz doce e o seu sotaque. Derretia-me sempre que dizia o meu nome e me chamava ao quadro. Eu tinha 13 anos e ela era a minha professora de francês. Nunca me viu da mesma forma. Não estava destinado...

 

Primeira viagem de avião:

Roma, a convite de um primo. Lembro-me que gostei muito e lembro-me sobretudo de uma coisa:

Antes de escrever a minha memória do que se passou quero declarar solenemente que sou um céptico. Além disso sou ateu e sou cínico. Acredito que existe uma explicação racional para tudo, mesmo para aquilo que ainda não temos explicação. Ainda assim isto aconteceu-me; estou mesmo convencido disso:
No fim de uma noite carregada de copos, ia de regresso a casa pelas ruas de Roma. Devia ter uns 19 anos. Estava a passar muito perto do Vaticano e aproximava-me de uma ponte pedonal. Ainda era de noite mas as ruas estavam iluminadas e reparei que vinha um grupo de jovens mulheres na direção oposta da ponte. Não estava mais ninguém na rua, os sons ecoavam e à medida que nos íamos aproximando da ponte já quase conseguia ouvir o que diziam. Estávamos quase a cruzar os nossos caminhos, eu de um lado, elas do outro, não havia ninguém à vista e de repente as três dão um grito e afastam-se de um vulto que surge do nada, no meio da ponte mesmo à frente delas. Olho com mais atenção e vejo um homem novo de cabelo preto liso até as orelhas. Com gabardine preta a andar num passo apressado na mesma direção em que o trio de amigas aparentava ir. Indiferente ao facto da sua aparição súbita no meio de uma ponte que desafia as leis da física ter deixado em pânico três miúdas. Elas mudaram imediatamente de direção e foram as três a correr para trás. Eu senti o sangue a gelar e continuei no meu caminho a tentar perceber o que tinha acontecido. O vulto nem pareceu ter reparado que nós existíamos. Exibicionista ou demónio? Nunca saberei.

 

Primeiro cão:

Picasso, um Labrador retriever. Aqueles dos anúncios de papel higiénico lembram-se? Branco. Muito inteligente e leal. O primeiro de muitos melhores cães do mundo que pude conhecer. Muitas alegrias com aquele cão e apenas uma má memória; o dia em que aquele que era suposto ser o meu melhor amigo, me traiu:

Foi numa tarde de sol com o meu primo Gandajone. Os dois na nossa juventude, com um bronze glorioso em plena praia e o Picasso, um Labrador macho adulto, a tomar banho no mar da Foz do Arelho, enfrentando as ondas de frente enquanto dava espetáculo para os banhistas presentes. 'É uma questão de tempo' pensei eu, parecia-me óbvio. Afinal estava tudo a olhar para nós (enfim para o Picasso, mas nós estávamos muito perto dele). A praia estava cheia e as raparigas são muito competitivas como todos sabemos. 'É uma questão de tempo' repetia... 

Depois do nosso aquecimento habitual descemos em direção ao mar com o Picasso, mais uma vez, estrategicamente passamos ao pé de um grupo de amigas a apanhar sol na areia:

-Ohhhhh tão giro! Como é que se chama? - "Êxito" pensei eu, contente enquanto me concentrava para a minha voz não mudar de tom durante a resposta (tinha uns 15 anos).

- Picasso - Digo num tom acolhedor mas ainda assim audível, enquanto segurava na trela do cão contraindo os músculos dos braços e ombros para parecerem maiores. Sorrio discretamente e penso: "A bola está do vosso lado meninas".

-A sério? E o cão? - Desatam-se a rir todas à gargalhada. 

Afastámo-nos sem resposta e sem dignidade...

Menos o Picasso, o Picasso ficou amigo delas e só se juntou a nós mais tarde, traidor.

 

JB

 

27.05.21

On / Off


Triptofano!

26042017_125011_k-bigpic.jpg

 

Estamos sempre ligados.

A qualquer hora, a qualquer instante, em qualquer lugar.

Não há noites nem madrugadas, fins-de-semana ou dias santos, aniversários ou funerais. Estamos sempre ligados ao mundo, mas antagonicamente cada vez mais desligados do mundo que nos rodeia.

E-mails, mensagens, grupos de Whatsapp que gritam centenas de mensagens por hora, videochamadas por tudo e mais alguma coisa. Estamos sempre ligados, como se o mundo fosse abaixo por desligarmos quando devíamos.

Mas há urgências dizem eles, e os eles acham sempre que as suas urgências são sempre mais urgentes que a necessidade que urge em viver a nossa vida. E lá estamos nós, ligados aos ecrãs, às nuvens e aos documentos partilhados, às infinitas horas que nos tiram o sorriso, a calma, a alegria, a vida.

Até que um dia desligamos. Para sempre.

26.05.21

Desumanização


Sónia Pereira

 

cruz vermelho.jpg

Twitter @CruzRojaEsp

 

Luna, uma voluntária da Cruz Vermelha, abraça um migrante senegalês acabado de sair do mar, em Ceuta. Um homem desesperado que recebe conforto de uma mulher. Um gesto simples, espontâneo, mas impactante.

Para algumas pessoas, aquelas imagens foram uma forma de restaurar a fé na humanidade, nestes tempos conturbados, uma exposição da nossa compaixão e capacidade de empatia pelo próximo. Para outros, aquelas imagens foram geradoras de ódio, desencadearam represálias várias contra a autora do abraço.   

Para mim, apesar de sentir o impacto de ver nos outros aquilo que acho elementar (a nossa capacidade, enquanto seres humanos, de interação e cooperação com os nossos semelhantes), sinto que aquelas imagens apenas servem para mostrar o que poderíamos ser, enquanto humanidade, mas não somos.

Não somos porque não temos tempo, não temos interesse, somos egoístas, não estamos naquela situação, não somos nós, não nos identificamos. Mas, acima de tudo, não somos porque a maioria de nós não tem qualquer poder para mudar o mundo, para explorar nos outros o que de melhor eles têm e não o inverso. A maioria de nós apenas assiste, discute, enfurece-se, entristece-se, sente-se impotente e consequentemente frustrado com o que se passa no mundo, mas sem qualquer tipo de poder para o conseguir mudar.

E apesar de Luna ter abraçado aquele homem, mais pessoas continuarão a morrer afogadas no mar numa tentativa de alcançar uma terra que lhes seja mais meiga, muitos mais, chegando de longe a um qualquer país ocidental, acabarão explorados como mão de obra barata, seres invisíveis, seres indesejáveis aos olhos dos vizinhos locais, muitos outros morrerão sob os braços fortes de uma conflito armado, dos dois lados da barricada desse conflito, outros ainda, não vivendo uma guerra bélica, vivem amordaçados pelos regimes dos próprios países e acabam raptados quando viajavam de avião dentro de espaço aéreo europeu, seguindo o guião quase inverosímil de um livro ou filme. Outros ainda veem a sua ignorância, falta de acesso a um sistema de ensino digno, explorados, através da manipulação, pelos próprios governos, igrejas, organizações, empresas e comunicação social.

E nós falamos destes assuntos, indignamo-nos, mas o nosso estrebuchar de nada vale. E perceber a nossa existência de cidadão comum e aquilo que lhe está inerente – uma completa e total insignificância no que à tomada de decisões diz respeito, uma completa impotência, uma voz sem amplitude ou sequer som – é o que de mais aterrador existe na idade adulta. É fazer de figurante neste filme da vida em que a única hipótese de chegar a ator principal é através de algum ato extremo negativo. Somos aqueles que passeiam em pano de fundo, que enchem o plano, mas sem direito a fala no guião.

Por vezes aparecem estes pequenos momentos, acendalhas de compaixão, apenas para nos fazerem acreditar no bem, no poder único de cada um de nós em fazer o bem, na nossa capacidade (em regressão) de sentir empatia, mas são apenas fogos-fátuos, lampejares de luz que logo desaparecem sem deixar rasto.

24.05.21

Um Encontro De "Gentes"...


Filipe Vaz Correia

 

 

 

De olhos fechados, quase cerrados, vejo as entrelinhas de uma história na sequência de um destino, por entre, mares e rios...

A certeza desse querer sempre me aconchegou, sempre me amarrou a alma.

O que somos nós senão esse encontrar do tempo com a alma das gentes...

Olho para esse desmedido tempo com a fraterna plenitude do crescimento, reflectindo essas diferenças que marcam o olhar de hoje, desnudam aquele olhar  de ontem, essas definições que anteriormente amarravam versus aquelas que hoje me norteiam.

Nas incertezas que me completam, incompletam, sobram dúvidas e caminhos, palavras soltas e abraços, encontros e desencontros desamarrados.

Neste pedaço de texto, de espaço, nesta sardinhaSemlata, já viajei por tantos e tamanhos destinos, sem querer, descobrindo mundo  pela mão do Pequi ou da Maria, do Leão da Estrela ou da MJP,  do Pedro ou  da Sarin, do Robinson ou do Triptofano, do Último Fecha a Porta ou do JB...

Tantos pedaços de gente que amarrados pelo bem maior da escrita, desse encontro partilhado, ultrapassam oceanos e muros para um abraço pensante.

O que seria deste blog sem esse pedaço de desencontros, neste Sapo que mais não passa do que um espaço de ideias e refúgios...

Aqui escrevo sem olhar para trás, sem receios ou medos, na incerta certeza de que vale sempre a pena juntar opiniões, expressar debates, dar voz ao que guardado está.

É assim o texto de hoje, uma pequena homenagem àqueles que não se inibem de aqui expressar os seus comentários, de acrescentar a sua opinião ao desabafo dos autores.

Suspiro, cerro os olhos e deixo fluir as letras, as palavras...

Para expressar o que não sei.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

 

 

Pág. 1/4