O homem que salvou o mundo
JB
Começo o texto de hoje inspirado em Sócrates, com umas perguntas:
Se de facto existir alguém que salvou o mundo, devemos aprender com essa pessoa? Devemos tentar pelo menos? Temos essa obrigação?
Se concordar comigo e achar que a resposta é sim, nesse caso agradeço uns minutos do seu tempo para lhe falar do nosso salvador e daquilo que podemos aprender com ele.
Vasili Arkhipov nasceu a 30 de janeiro de 1926 na Rússia, perto de Moscovo. A sua família vivia da terra e com 14 anos já estava na escola naval do Mar Cáspio. Formou-se em 1947 e começou a servir em submarinos; percorreu o Mar do Norte, Negro e Báltico.
Em 1961 já era sub - comandante num submarino nuclear, um K-19. Um dos submarinos mais avançados na altura mas que funcionava a energia nuclear, algo muito perigoso como Vasili viria a perceber em breve. Em finais de julho desse ano, durante uns exercícios militares perto da Gronelândia, o reactor nuclear do submarino avariou. O comandante ordenou que os engenheiros presentes no submarino resolvessem o problema: sete deles foram repararar o reactor e ficaram expostos a uma enorme quantidade de radiação, resolveram o problema mas todos os que estiveram naquele submarino ficaram contaminados; os sete engenheiros e mais uma pessoa morreram poucas horas depois, Vasili assistiu a tudo. Todos os outros regressaram em segurança.
Em 1962 a guerra fria estava no seu auge, os Estados Unidos tinham mísseis preparados em Itália e na Turquia capazes de atingir a Rússia que, por sua vez andava a armar os comunistas de Cuba - para através disso - ter uma forma de retaliar contra os Estados Unidos. Kennedy acabava de anunciar publicamente que os Soviéticos estavam a armar Cuba com intenção de lançar mísseis nucleares, os Estados Unidos entraram pela primeira vez no estado de emergência DEFCON2 (não sei o que significa exatamente, mas percebe-se que é sério) e estavam a patrulhar todos os movimentos à volta de Cuba, Kennedy dizia que os Estados Unidos iriam impedir qualquer tentativa de fornecer armas a Cuba e que tal seria considerado um acto de guerra. Nikita Khrushov respondia dizendo que qualquer abordagem americana a uma embarcação russa seria encarado como um acto de pirataria.
Dia 27 de outubro de 1962 o mundo esteve muito perto de acabar.
Vasili Arkhipov encontrava-se na linha da frente, muito perto da Costa de Cuba. Num submarino a diesel desta vez (foi decidido que os nucleares eram demasiado arriscados) mas com a capacidade de lançar uma bomba nuclear equivalente à de Hiroshima. Não tinham contacto com Moscovo, sabiam o que se passava através do rádio, ouviam apenas o que os americanos diziam. Dia 27 de outubro, onze destroyers americanos (navios de guerra) vão patrulhar os mares de Cuba e um avião espião informa que detectou um submarino.
Era o submarino de Vasili que estava a carregar as baterias à superfície, ia com 5% de carga quando o radar deu o alerta: -Um avião espião à vista! Submersão de emergência!
Os apitos soaram, as luzes acenderam e todos se agarraram durante os 30 segundos que o submarino demorou a desaparecer por baixo das ondas na esperança de não ter sido tarde demais.
Mas era, os americanos tinham visto o submarino e agora circundavam-no na superfície. Onze destroyers a lançar sonares que todos dentro do submarino ouviam nitidamente: Ping ... Ping ... Ping ... incansáveis de 10 em 10 segundos. Bombas de profundidade que sacudiam tudo à volta e o tentavam forçar a vir à superfície.
No fundo do mar, dentro do submarino, era o caos: as águas eram quentes, temperaturas muito altas, fechados num caixão de ferro com o som inequívoco do inimigo à porta. Para os três únicos oficiais presentes no submarino era pior: o cenário de guerra tinha sido previsto, eles não precisavam da autorização de Moscovo para lançar o míssil nuclear. As informações mais recentes dos Estados Unidos tinha, sido um discurso de Kennedy a ameaçar a Rússia e a notícia de um piloto americano que tinha sido abatido enquanto sobrevoava Cuba. Entretanto dentro do submarino as bombas aproximavam-se e o sonar continuava cada vez mais insuportável: Ping ... Ping ... O capitão do navio decidiu, vamos lançar o míssil nuclear.
Para o Capitão Valentin Grigorievitch Savitsky a guerra já tinha começado, era evidente. Outro dos oficiais do navio era o comissário político Ivan Semonovich Maslennikov que concordou com o capitão.
Vamos parar no tempo por um segundo e fazer uma pergunta:
O que teríamos feito no lugar de Vasili Arkhipov?
Felizmente para todos nós Vasili, terceiro e último oficial não concordou. Naquele momento, naquelas condições e com aquela pressão conseguiu manter a calma fazer aquilo que considerou correcto.
Para lançar o míssil nuclear eram necessárias três chaves, cada uma com um dos oficiais. Apenas se os três estivessem de acordo é que o ataque era feito. Dois estavam, um não. Não lançaram o míssil e foram obrigados a emergir, os americanos não os atacaram mais e indicaram-lhes o caminho de volta para a Rússia sem a mais pequena noção do perto que estiveram ( eles e o mundo) da terceira guerra mundial.
Só recentemente soube da existência de Vasili Arkhipov e fascinou-me o percurso deste filho de camponeses até se tornar o salvador da humanidade. Estou a exagerar, dirão alguns. Provavelmente sim: aprecio o dramatismo confesso. Se quisesse ser menos dramático diria apenas que permitiu a todos os que nasceram pouco depois de 1962 existirem. Nenhum de nós cá estaria certamente se os Russos tivessem lançado uma bomba nuclear contra os Estados Unidos, dificilmente as coisas ficariam por aì, mas mesmo que ficassem o mundo de hoje seria outro, com outras pessoas.
Decidi por isso dar a conhecer este salvador de carne e osso, que devido à exposição prolongada à radiação morreu em 1998 e não ressuscitou. Mas deixou-nos algumas lições: Como pensar pela própria cabeça. Ter cautela, ponderação e a importância de estarmos bem informados. O valor vital de ser racional e de dominar os instintos mais primários mesmo quando parece não haver esperança.
Acima de tudo deixou-nos, a todos nós, um legado indiscutível:
Este mundo em que vivemos.
Obrigado
* Vasili Arkhipov numa fotografia do jornal "the Guardian".
JB
PS( alguém viu o filme "K-19" com o Harrison Ford? Eu vi há muito tempo mas sem fazer ideia que era inspirado nesta história real)