Nos últimos meses tenho lido cada vez mais artigos na imprensa portuguesa e estrangeira sobre um movimento designado por “the great resignation”, que podemos traduzir muito livremente por “a grande vaga de despedimento voluntário”.
Já ouviram falar sobre isto?
O movimento, que parece ser uma espécie de efeito colateral da pandemia e dos seus confinamentos, deu inicialmente nas vistas nos EUA, mas rapidamente provou tratar-se de um movimento a nível mundial.
Quem começou a estudar este fenómeno diz que é fundamentalmente o resultado de dois fatores:
1- Pessoas confinadas em casa durante muito tempo.
2- Pessoas em teletrabalho pela primeira vez.
Ao experimentar uma nova realidade, parte da população começou a questionar o estilo de vida que levava até então e a perceber que dispensava os horários fixos, o stress diário do local de trabalho, as horas perdidas no trânsito e nos transportes públicos e a falta de tempo para a família e para as suas ambições pessoais.
Ao serem obrigados a regressar ao “padrão normal” reagiram mal e decidiram colocar um ponto final num estilo de vida que já não lhes satisfazia.
O resultado? Só nos EUA, milhões de despedimentos voluntários e milhares de empresas com dificuldades de arranjar novos trabalhadores.
Em abril deste ano, o U.S. Bureau of Labor Statistics assinalava quatro milhões de saídas por iniciativa do trabalhador e em maio e junho já contabilizava 11,5 milhões de saídas!
Com o passar dos meses o número de despedimentos por iniciativa do trabalhador não parece estar a abrandar e mesmo entre aqueles que continuam no emprego, muitos estão a repensar as suas opções. Estão a revelar-se mais intolerantes com as faltas de respeito no local de trabalho e mais exigentes nas suas reivindicações. Alguns trabalhadores relatam altos níveis de esgotamento (o chamado burnout) e sonham com uma nova carreira, outros, com mais de 50 anos, juntam-se a uma onda de reformas antecipadas pois afirmam que aprenderam com a pandemia que a vida é curta demais para não ser aproveitada.
Muitos sectores aumentaram os salários, na tentativa de atrair candidatos, mas nem por isso arranjam trabalhadores. As placas de “precisa-se funcionário” estão por todo o lado.
O número de novos negócios disparou e cada vez mais pessoas vendem os seus pertences para se dedicar a um estilo de vida nómada, trabalhando 100% online.
Vivemos historicamente um período de “grande reavaliação” como lhe chamou Heather Long jornalista do “The Washington Post”. Um momento de escolha e consequência — para funcionários e empresas.
Cada vez mais os trabalhadores perguntam-se o que querem fazer, para quem querem trabalhar e onde e como querem trabalhar.
….Resta saber se as empresas vão conseguir perceber estas ansiedades e dar uma resposta satisfatória a estas questões.
Muitos “patrões” encararam o período Covid-19, como um desvio temporário. Uma estrada secundária que tiveram de percorrer durante um certo tempo até conseguirem voltar à velha auto-estrada de sempre.
Mas todos os dados sobre as preferências, perceções, comportamentos e, o mais importante, ações dos funcionários, dizem-nos algo completamente diferente.
Os trabalhadores (na América do Norte, e aos poucos no resto do mundo) estão a dizer que essa “grande reavaliação” é, na verdade, o desencadear de um desejo antigo por melhores oportunidades, flexibilidade e novas formas de trabalhar.
Responder a esse desafio exigirá orientações e abordagens inteiramente novas por parte das empresas e das suas lideranças. Estarão elas à altura?
O salário continuará evidentemente a ser um grande impulsionador para a fidelidade do trabalhador à empresa, mas já não é o único, e muitas vezes nem está em primeiro lugar quando se toma a decisão de sair…
Não sei que expressão e força esta tendência terá em Portugal (apesar de um Estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa revelar, por exemplo, que o trabalho remoto de forma integral ou em regime misto era, um ano após o início da pandemia, a opção favorita da maioria dos trabalhadores), mas acredito… ou tenho esperança, que também no nosso país exista alguma evolução, alguma mudança na forma como o emprego é pensado e encarado.
Esta é uma oportunidade única de reconfigurar, entre outras coisas, o local de trabalho, para que ele possa responder de forma pró-ativa às necessidades dos trabalhadores e às exigências das empresas.
Vamos ver se não é uma oportunidade desperdiçada…