O Tempo e o Pó que nos Unem
Bruno
Imagem: Bruno Nunes dos Santos
Que las lluvias que te mojen sean suaves y cálidas.
Que el viento llegue lleno del perfume de las flores.
Que los ríos te sean propicios y corran para el lado que quieras navegar.
Que las nubes cubran el sol cuando estés solo en el desierto.
Que los desiertos se llenen de árboles cuando los quieras atravesar. O que encuentres esas plantas mágicas que guardan en su raíz el agua que hace falta.
Que el frío y la nieve lleguen cuando estés en una cueva tibia.
Que nunca te falte el fuego.
Que nunca te falte el agua.
Que nunca te falte el amor.
Tal vez el fuego se pueda prender.
Tal vez el agua pueda caer del cielo.
Si te falta el amor, no hay agua ni fuego que alcancen para seguir viviendo.
Gustavo Róldan, "Bendición del Dragón"
Só descobrimos que o tempo deste mundo pode ser perfeito quando esse mesmo tempo está prestes a enterrar-nos. Tudo isto mesmo que ao longo de múltiplas décadas tentássemos matar esse tempo - não nos esqueçamos que esse imparável bicho adora brincar às escondidas. Desejamos sempre mais aquilo que não temos, uma espécie de só estou bem onde não estou como dizia Variações. É daí que nasce aquela dificuldade de busca constante em procurar algo novo e não fruir o momento presente. Uma espécie de viagem em circuito onde queremos experimentar tudo mas acabamos num extremo cansaço físico e mental apenas com experiências "instagramáveis" mas pouco sentidas e vividas.
E alí estávamos sentados enquanto duas almas dançavam naquela duna perdida entre tantas outras. O sol tem esse poder, sobretudo quando se prepara para desaparecer atrás da montanha, bem lá ao longe. Na duna, cá em baixo, aquele olhar perdido olha-nos como se não percebesse ele a beleza daquele espectáculo. Na frase de Raúl Brandão, é aquele olhar que está neste mundo, no mundo dos que mais apanham. A aridez do deserto é um destino, longe de um delírio apaixonado pelo risco e pelo fascínio daqueles que afirmam que o céu é de todos.
Bem lá ao longe, enquanto nos interrogamos do porquê de uma mesquita estar completamente perdida no deserto mas cujas luzes já permitem vislumbrá-la através dos binóculos, aquele olhar continua a fixar-nos. Tento sempre adivinhar o que vai naquele olhar, como o faço quando os pastores alemães contemplam a paisagem em dias de sol e nos colocam naquele mistério insondável do convivio entre dois seres tão próximos mas completamente diferentes. Não tento sequer, a nossa comunicação é por gestos e a filosofia da inquietação precisa de sons e de palavras.
Alesya e Ulyana param de dançar, e encostam-se agora ao jipe num arfar que se dissipa após um gole de água... O sol vai ficando mais vermelho e acalma os ânimos. Reina agora um silêncio tal que quase conseguimos ouvir o movimento do mais pequeno grão de areia. O afegão continua lá em baixo, como um tronco que persiste à erosão dos séculos, como se tivesse em si todo o pó de um povo, todo o pó da eternidade, uma imagem comum em tantas geografias de Ásia Central... Recusa juntar-se com o sorriso da resistência.
Entretanto, vamo-nos nós também enterrando naquelas areias, enquanto as montanhas são já grandes vultos e as russas dormem. Deixamo-nos deslizar pela duna abaixo, lentamente, como um acorde de Santaolalla ou como um poema de Hafez. Também lentamente o afegão se afasta para afugentar um grupo de locais que se diverte a andar de mota. Trocamos olhares e assinto que não vale a pena estragar o momento, estão apenas a aproveitar o tempo, mesmo partilhando apenas uma motorizada velha e os desenhos que os unem nas marcas deixadas na areia, marcas essas que o tempo também vai enterrar mal a noite se torne verdadeiramente negra e o vento nos obrigue a colocar uma espécie de Pakol emprestado e um lenço a cobrir a boca - mais tarde serei apelidado de Ahmad Massoud: afinal o afegão fala.
O alvoroço da mota e das conversas daqueles invasores toma agora conta da atmosfera. Não interagem connosco, agem como nem sequer nos vissem, são actores a representar o papel mais difícil de todos, o papel do tempo e da amizade, o papel de serem humanos. Deixamo-los, o romantismo da fogueira no deserto pode esperar, até porque o jantar já vai contemplar um céu iluminado pelas estrelas e a terra pelo fogo. Sabemos que o afegão vai ficar a olhar para nós, que irá recusar o convite até chegar a vez de fazermos um olhar ligeiramente daninho e pegarmos numa espécie de espetada de frango dividindo ali mesmo o repasto.
As labaredas parecem intimidar o céu que parece agora uma auto-estrada. Retiramo-nos para a tenda e o afegão recolhe-se também mexendo as brasas e envolvendo-as na terra.O mundo volta a mergulhar nas trevas se bem que ao olharmos para cima sabemos que o Universo é uma luminária sem fim e a escuridão uma invenção dos homens... O afegão, na sua sobriedade, terá muito mais para ser enterrado no dia do juízo final do que qualquer um de nós cujo tempo matamos a uma velocidade e até voracidade estonteante.
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Para ler: bem a propósito, "A Lua e as Fogueiras" de Cesare Pavese. Uma viagem pela memória e pelo tempo, pela tragédia e pela campos do Piemonte.
Para ver: quem já conhece Quentin Dupieux sabe muito bem o que esperar, embora desta vez o realizador ainda consiga ir mais longe. Um filme surrealista com a personagem do surrealismo. Ninguém esteja à espera de biografias ou da normalidade. Como o artista, também "Daaaaaaaalí" é de loucos. Além disso, também lá por casa reside um Dalí que é completamente doido.
Para ouvir: uma sonoridade que me chegou através de uma outra, ou não fosse apaixonado pelas danças e cantares do Cáucaso e onde a Geórgia tem um papel fundamental. Vim a saber por um contacto no país que é uma música de união e cujos vídeos, pois são mais que um, foram desenvolvidos para fortalecer os laços entre as diferentes regiões. Também bem a propósito dos últimos acontecimentos: ჩემი საქართველო აქ არის
Para assistir: "Uma Vida no Teatro" de David Hamet. Para ver no Teatro Aberto. Já comprei bilhetes.
Para comer e beber: em Madrid, longe do bulício do centro, na calma e confortável Hortaleza encontra-se o Beytna. Descobri-o por acaso numa viagem de trabalho e tornou-se uma visita obrigatória nas idas à cidade e uma certa forma de recordar a Jordânia. Além disso os proprietários jordanos e um dos empregados habituais que é marroquino são ótimos a dar-me alguns retoques na língua Árabe - além da excelente comida (afinal a Jordânia, a par do Libano, é uma das jóias da coroa da cozinha Árabe), também os vinhos fazem a delícia dos comensais. Um restaurante completo com menus para todos os gostos, inclusive para o Ramadão. Lá podem experimentar o Jordan River Pinot Noir Reserva Tinto ou até mandar vir para Portugal. Acompanha perfeitamente com o Mansaf Jordano ou até com a surpreendente Tajine de Bacalhau.