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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

30.07.24

Ainda em Sciacca... A Conversar com o Mediterrâneo sobre o Hoje sem o Amanhã.


Bruno

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©Bruno Nunes dos Santos

 

Se alguém fez ou criou tudo isto, então, há que admitir que foi um terrível desperdício. Ninguém precisa de criar uma quantidade tão insana de coisas só para provar que é criador. A abundância é o caos, e o caos é uma espécie de insanidade, ou embriaguez. Sim, o intelecto humano consterna-se com a redundância deste desempenho criativo.

Karel Čapek, in "A Fábrica do Absoluto"

 

 

Mais uma semana, e não altero o tema, mantenho-me por Sciacca. Talvez porque, como dizia o grande maestro Ricardo Mutti numa grande entrevista que deu em 2021 (e agora reforçada em Julho) ao “Corriere della Sera”, se não me enquadro no mundo, esse mesmo mundo não vai mudar por causa de mim e por isso tenho de ser eu a afastar-me. Sim, existem dias assim, mesmo para uma pessoa como eu que nunca atira a toalha ao chão. Também ajuda a ganhar forças para o combate, é um facto, uma espécie de licença para pura abstração e para conseguir alguma sanidade mental. 

 

Em Sciacca, como em tantas outras geografias, tudo ainda é puro, para o bem e para o mal. Não obstante acreditar que o desenvolvimento se dá sem imposições, com luta e muitos desafios, muitos rasgares de regras e até uma certa rebeldia, mas sem imposições. E num mundo onde cada vez mais a maioria embriagada pela abundância e pelo luxo está adormecida, são as muito pequenas minorias que parecem ter sempre razão - Lenine ficaria enternecido por ver as suas palavras fazerem hoje tanto sentido (ou darem sentido ao que não o tem).

 

Em Sciacca não se produzem discursos como “abaixo a tirania de X e os seus atentados à sociedade, viva sim a nossa visão pois só ela é válida e pelo bem todas as outras têm de ser destruidas” - moral e liberdade são atualmente isto. Os extremos e a polarização acentuam-se e na embriaguez a que já fiz menção, arrisca-se a que possamos perder uma das mais importantes e difíceis conquistas do ser humano: a capacidade de decidir o seu próprio destino, de reinvindicar e de questionar, de ser ouvido. Tão dificil de conquistar que muitos territórios por esse mundo fora ainda nem sequer sabem o que isso é e se ousarem sequer falar em tal coisa é bem possível que acabem com uma corda esticada à volta do pescoço.

 

Enquanto o Mediterrâneo brilha e cria um espelho de água singular nesta costa, quase como se transforma num monitor que nos mostra como a embriaguez do ócio, da despreocupação e do adormecimento destruiu todas as grandes civilizações que durante milénios o ocuparam. É dos grandes momentos de prosperidade e da forma como não sabemos lidar com os mesmos que as grandes civilizações se afundam. 

 

O mundo evoluiu, e na verdade, com a passagem do tempo a nossa visão vai-se transformando - até aos 18 anos olhamos para os miúdos de 12 e perguntamos como é possível ser-se assim. Até quando entramos na universidade e olhamos para os tempos do secundário. Não obstante, o mundo mexe-se cada vez mais rápido e a apatia e o espetáculo dão lugar a uma total ausência de cidadania e de espírito crítico. O caminho fértil para aqueles (e isto é só um exemplo) que criticam instituições milenares como o Cristianismo e depois utilizem exactamente os mesmos métodos que este utilizou para eliminar tantos povos, culturas e modos de vida. É um caminho fácil, até porque as escolas não mais ensinam a raciocinar minuciosamente. E como o Professor David Perkins defende, é um facto que escolhem e apreciam os candidatos com o QI mais elevado, pois são essas que conseguem gerar mais argumentos - nem sempre os melhores, convenhamos.

 

Na verdade, muitos desses activistas(até porque hoje terrorismo já se confunde com activismo) que dizem ter tantas qualidades, acentuam distâncias e flagelos que naturalmente já estavam a ser ultrapassados - não eliminados, mas ultrapassados -  como se só um tolo pudesse achar que o mundo perfeito é aquele em que seremos todos iguais ou que seremos felizes com a imposição de culturas - nunca foi, nunca será e quando se tenta tal empreendimento ao invés de termos um grande bloco com fundações deveras resistentes, temos um monte de escombros com muitas marcas de sangue.

 

E numa época em que tanto se fala, estuda e paga por palestras sobre liderança, não deixa de ser paradoxal que faltem talvez Homens e Mulheres que saibam liderar, que saibam ser liderados - infelizmente muitos deles estão de olhos vendados ou com um projétil no meio da testa noutras geografias e nem sejam utilizados como exemplo pelos grandes activistas do Ocidente que em muitos casos não andam distantes de práticas que fariam um qualquer Rust ou mesmo um Goebbels rejubilar. Activistas que dos seus bairros de elite e das suas bolhas nos querem impor em alguns casos uma verdadeira ditadura sob a capa do Humanismo, da Liberdade e da Tolerância - afinal, de tolerância também se revestiu a Revolução Francesa, uma tolerância que era tão mas tão séria e pura que tinha de ser salvaguardada a todo o custo pelo afiado moral da guilhotina. 

 

Agora com redes sociais, com gadgets e brinquedos com rodas de última geração e de jantares gourmet (porque já não há tascas) podemos estar a percorrer o miserável caminho, alegres e contentes como numa alegre e festiva danse macabre em direção ao inferno.

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A ler: as duas entrevistas de Ricardo Mutti, um napolitano que faz bem jus às suas origens e um verdadeiro senhor da música, nem sempre bem visto por muitos, mas impecável em muitas das suas ações, inclusive humanitárias.

A ouvir: a composição que Mutti escolheria para o fim da vida, das coisas… O “Requiem em Dó Menor” de Luigi Cherubini. Quem conhece facilmente perceberá porquê, quem não conhece, e pretender gastar três quartos de hora sem acrescentar nada à Humanidade, vai perceber também.

A ver: “Underground - Era Uma Vez um País” de Emir Kusturica - um regresso às salas de cinema e bem a propósito. Além disso, uma verdadeira pérola.

A comer e a beber: abordei o “Il Faro”  a semana passada, e esta semana, mais para o centro de Sciacca, a “La Trattoria Vecchia Conza” faz as delícias de quem adora um bom petisco com toques de mar. A acompanhar, um Greco Bianco da Apúlia é o ideal para tais petiscos e um verdadeiro embaixador dos aromas daquelas terras, fica a sugestão do l'archetipo.

 

29.07.24

A Barcaça Da Esperança


Filipe Vaz Correia

 

 

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Uma jangada molhada, cheirando o medo que se apoderou de todos nós, daqueles desventurados que impelidos por essa vontade maior, não deixaram de acreditar.

Os olhares baixos, cerrados, apenas ouvindo o bater daquela ondulação, dessas ondas de esperança que amiúde chegam, levando com elas esse futuro que anseio encontrar.

Ao meu lado uma jovem mulher, com um lenço à volta da cintura, onde adormece aquele menino, seguro, nos braços de sua mãe...

A noite se apodera do nosso destino, os sons que se calaram no meio de tantas bocas, ali fechadas, cumprindo as ordens, daqueles rudes mercenários, que nos guiam perante a incógnita escondida, desta lotaria a que chamamos de vida.

O barulho do motor é o único ruído permitido, naquela imensidão ruidosa, compassadamente reunida por entre o silêncio de tantos medos, que insistem em ficar...

Deixei tanto para trás...

Tanta miséria, tamanha fome, desespero e lágrimas mas também o amor por minha mãe, banhada na intranquila saudade, que já sentia antes mesmo de eu partir, a voz emocionada do irmão que ensinei a caminhar, os amigos que escolheram a certeza de ficar, no mesmo lugar, na mesma violenta obrigação de ceder à vontade, de algo melhor.

- Calados! Ouvia se a voz daquele homem com os olhos encovados e o rosto marcado pelas cicatrizes, de uma vida de contrabando...

Luzes apareciam ao longe, distantes e ao mesmo tempo, cada vez mais perto, mais presentes, no desespero que se instalava...

Por incrível que pareça, só ali no meio daquele mar, pela primeira vez se apoderou de mim, este pensamento de que era possível algo correr mal...

Algo impedir o mirífico momento em que pisasse terra firme, neste sonho por cumprir, chamado:

Europa!

Um tiro e depois outro...

Um grito e depois muitos outros...

Um terramoto naquela noite sombria, que irrompia sem cantar as doces fábulas da minha eterna esperança.

Abanava a barcaça...

Abanavam a barcaça, qual casca de noz engolida por aquelas ondas que aparentavam ser maiores do que o céu estrelado que por cima de nós, silencioso, observava.

Pés pisavam o meu rosto, sensação de um desgosto que ainda não chegara, mãos que insistiam em me prender os movimentos, sacudindo essa mistura de sentimentos, gritando em mim, vozes sem fim, nesse salto que nunca quis dar...

E no meio desse salto, amarrado àquela barcaça de esperança, entre vozes e mar, caí naquela água gelada, naquele negrume refletindo a noite, na calmaria que outrora ali estivera.

Vozes cada vez mais silenciosas, ruídos cada vez menores, engolidos na imensidão daquele mar.

Misturava me com aquela água, que me envolvia, circundava, seduzindo-me numa espécie de abraço que me esmagava o coração, acelerado, desnorteado, desiludido...

Adormeci, deixei-me levar, desaparecendo nas profundezas solitárias, gélidas e salgadas, deixando enfim, que o destino tomasse conta deste seu filho...

Até que uma mão me agarrou, resgatou, nessa distância que parecia minha, só minha...

Ao respirar novamente, o mundo chegou até mim, acordou-me, despertou novamente os meus sentidos, a minha eterna gratidão.

Mas ao olhar em meu redor, apercebi-me, que no meio de tantos gritos, de tantas vozes, de tantos olhares, de tantas vidas, de tamanha esperança...

Apenas eu, sobrevivi!

E agora, aquela barcaça de esperança, era apenas eu...

O legado de tantas almas, com os sonhos perdidos nesse mar.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

25.07.24

Jogos Olímpicos


UmAnónimo

imagem furtada de Metropoles.com

 

É já esta semana que começam os Jogos Olímpicos. Confesso que gosto bastante deste evento, quando podemos ver uma série de desportos que normalmente não têm honras televisivas.

Estando eu a preparar a longa lista de eventos para acompanhar, deparo-me com uma notícia sobre as palavras de Michel Platini, que defende que o futebol não é um desporto olímpico. Segundo o mesmo, o futebol só está presente nas Olímpiadas para encher estádios.

Bem, em parte terá razão. Segundo o próprio Comité Olímpico, os desportos originais seriam o pancrácio, corridas de bigas, boxe, corrida, luta livre salto em comprimento e lançamento de dardo/disco. Ora, os jogos olímpicos evoluiram e passaram a incluir uma série de desportos (alguns mais ou menos discutiveis). E isso incluiu o futebol.

Por outro lado, é certo que os Jogos Olímpicos eram para amadores. No entanto, convenhamos que desde há muitos anos, não existe nada de amador em nenhum dos participantes. 

Antes de 1992 o que o Platini defende também se passava no Basquetebol. A própria FIBA proibia os profissionais e só iam amadores. Mas Barcelona 92 alterou isso e apareceu o grande Dream Team.

Espero que brevemente isso também seja alterado no futebol. Que possam, como no resto dos desportos, estar presentes os melhores do mundo, e não apenas a equipa C ou D

 

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