A Sciacca in attesa delle barche
Bruno
Imagem: Bruno Nunes dos Santos
Quando sabes da morte, não cresces mais.
Domenico Starnore, in "Vida Mortal e Imortal da Rapariga de Milão"
A costa sul siciliana pode ser abrasadora, mas o mediterrâneo sabe tratar as suas gentes e dar-lhes o consolo abençoando com os seus aromas e frescura, com as vinhas e as suas águas.
Por Palermo, todo o percurso é simplesmente mozzafiato e adornado com o Duomo de Monreale e as lindissímas e pitorescas (e sem turistas) Montalbano e Camporeale que se estabeleceram entre vales e montes de perder de vista.
A viagem pelo interior em direcção a Sciacca é já de si um postal, embora o postal não se sinta, não se viva e nunca nos permita apreciar o valor de um crespúsculo em Montalbano rodeado de histórias de vida - umas reais outras já bem remendadas com um Nero d’Avola.
Sciacca é singular, não tem o glamour da Dolce Vita (essa maldita invenção que só é sentida por nem 1% dos italianos), mas encarna a realidade dura de gentes de trabalho refletidas nas suas tão belas peças de cerâmica que me permitem sentir o pulsar da comune em terras mais distantes. O efeito é tal que nas belas fruteiras que temos de Sciacca ficamos com a sensação de que a fruta tem outro sabor outro gosto como se envolvida pelo doce viver siciliano.
Aprecio particularmente, depois de um almoço (sempre obrigatório) na “Trattoria Il Faro”, ficar no porto a assistir à chegada dos barcos, uma larga frota que percorre o mediterrâneo em busca daquelas iguarias que nos enchem de satisfação quando nos sentamos à mesa ou cheiramos as primeiras gotas de gordura a tocarem as brasas. Gosto do Il Faro, e devo-o a um grupo de lobos do mar e de “lavradores” que sem pestanejar nos recomendaram aquele espaço: “Il Faro!, Il Faro”.
Perdem-se horas do entardecer e em muitas casos já do anoitecer a assistir ao desfile dos barcos, quase como uma procissão onde a alegria da devoção dá lugar ao grasnar louco das gaivotas e o ar cansado dos homens. O Mediterrâneo é isto, não nos tirem! Afinal, estas águas e estas terras são do sul da Península Ibéria até à Síria e ao Líbano uma autêntica indústria de homens e mulheres de inigualável beleza no mundo.
E convenhamos, apesar de sublinharem que as vistas do Monte San Calogero são as melhores, apetece ficar pelo porto e pela cidade, sentar-me junto aos velhos e entre conversas que compreendo e outras em dialectos (que já não compreendo) sentir de perto o cheiro do mar, do peixe e do “pexum” tipíco das lotas, do combustível dos barcos, das redes e dos grelhados de final do dia ou daqueles refogados que só encontramos em terras de peixe e no caso italiano com um sabor bem especial por culpa desse maldito tomate e alguma insitência no basílico.
De facto, são muitos os sítios onde não me importaria de ser enterrado ou transformado em cinzas a esvoaçar e um desses locais seria Sciacca, quiçá onde alguém com tempo e desejoso ver-se livre de mim entre um gelato e uma caminhada pela Angelo Scandaliato me deitasse ao mar ou empurrado pelo vento me fizesse penetrar naqueles casebres que orgulhosamente enfrentam o mar enquanto envolvem o porto.
E se os ventos não me levassem para sul e me fizessem parar na Líbia para me deliciar com um peixe ao sal, pelo menos que me fizessem entrar por entre as cortinas do Il Faro ou de uma casa onde o peixe e a companhia são o melhor menu gourmet que se pode desejar.
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A ler: de Dino Buzzati, “O Deserto dos Tártaros” é uma leitura em curso e apaixonante, e é por isso que nem me vou alongar muito para não entrar em detalhes e revelar o que aí vem.
A ouvir (e a ver): abandono Itália para não me tornar repetitivo, mas escuto a compositora grega Eleni Karaindrou, destacando “By the Sea” que por sinal é um colosso de composição num filme que nunca me canso de ver: “Eternity and a Day” de Theo Angelopoulos e Palma de Ouro em 1998 - cinema digno desse nome.
A apreciar: indeciso se vou para Lisboa este fim de semana para não perder a "Cavalleria Rusticana", de Mascagni, no Festival ao Largo ou se fico mais para cima e piso o "Folk Celta" em Ponte da Barca. Não está fácil decidir.
A comer e a beber: uma dourada daquelas capturadas no Atlântico e depois de escalada colocada na grelha acompanhada por um "Gerbino Chardonnay" das Terre Siciliane, mais precisamente da "Di Giovanna" em Sambuca di Sicilia, não muito longe de Sciacca.