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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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23.07.24

A Sciacca in attesa delle barche


Bruno

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Imagem: Bruno Nunes dos Santos

 

 

Quando sabes da morte,  não cresces mais.

Domenico Starnore, in "Vida Mortal e Imortal da Rapariga de Milão"

 

A costa sul siciliana pode ser abrasadora, mas o mediterrâneo sabe tratar as suas gentes e dar-lhes o consolo abençoando com os seus aromas e frescura, com as vinhas e as suas águas.

 

Por Palermo, todo o percurso é simplesmente mozzafiato e adornado com o Duomo de Monreale e as lindissímas e pitorescas (e sem turistas) Montalbano e Camporeale que se estabeleceram entre vales e montes de perder de vista.

 

A viagem pelo interior em direcção a Sciacca é já de si um postal, embora o postal não se sinta, não se viva e nunca nos permita apreciar o valor de um crespúsculo em Montalbano rodeado de histórias de vida - umas reais outras já bem remendadas com um Nero d’Avola.

 

Sciacca é singular, não tem o glamour da Dolce Vita (essa maldita invenção que só é sentida por nem 1% dos italianos), mas encarna a realidade dura de gentes de trabalho refletidas nas suas tão belas peças de cerâmica que me permitem sentir o pulsar da comune em terras mais distantes. O efeito é tal que nas belas fruteiras que temos de Sciacca ficamos com a sensação de que a fruta tem outro sabor outro gosto como se envolvida pelo doce viver siciliano.

 

Aprecio particularmente, depois de um almoço (sempre obrigatório) na “Trattoria Il Faro”, ficar no porto a assistir à chegada dos barcos, uma larga frota que percorre o mediterrâneo em busca daquelas iguarias que nos enchem de satisfação quando nos sentamos à mesa ou cheiramos as primeiras gotas de gordura a tocarem as brasas. Gosto do Il Faro, e devo-o a um grupo de lobos do mar e de “lavradores” que sem pestanejar nos recomendaram aquele espaço: “Il Faro!, Il Faro”.

 

Perdem-se horas do entardecer e em muitas casos já do anoitecer a assistir ao desfile dos barcos, quase como uma procissão onde a alegria da devoção dá lugar ao grasnar louco das gaivotas e o ar cansado dos homens. O Mediterrâneo é isto, não nos tirem! Afinal, estas águas e estas terras são do sul da Península Ibéria até à Síria e ao Líbano uma autêntica indústria de homens e mulheres de inigualável beleza no mundo.

 

E convenhamos, apesar de sublinharem que as vistas do Monte San Calogero são as melhores, apetece ficar pelo porto e pela cidade, sentar-me junto aos velhos e entre conversas que compreendo e outras em dialectos (que já não compreendo) sentir de perto o cheiro do mar, do peixe e do “pexum” tipíco das lotas, do combustível dos barcos, das redes e dos grelhados de final do dia ou daqueles refogados que só encontramos em terras de peixe e no caso italiano com um sabor bem especial por culpa desse maldito tomate e alguma insitência no basílico.

 

De facto, são muitos os sítios onde não me importaria de ser enterrado ou transformado em cinzas a esvoaçar e um desses locais seria Sciacca, quiçá onde alguém com tempo e desejoso ver-se livre de mim entre um gelato e uma caminhada pela Angelo Scandaliato me deitasse ao mar ou empurrado pelo vento me fizesse penetrar naqueles casebres que orgulhosamente enfrentam o mar enquanto envolvem o porto.

 

E se os ventos não me levassem para sul e me fizessem parar na Líbia para me deliciar com um peixe ao sal, pelo menos que me fizessem entrar por entre as cortinas do Il Faro ou de uma casa onde o peixe e a companhia são o melhor menu gourmet que se pode desejar.

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A ler: de Dino Buzzati, “O Deserto dos Tártaros” é uma leitura em curso e apaixonante, e é por isso que nem me vou alongar muito para não entrar em detalhes e revelar o que aí vem.

A ouvir (e a ver): abandono Itália para não me tornar repetitivo, mas escuto a compositora grega Eleni Karaindrou, destacando “By the Sea” que por sinal é um colosso de composição num filme que nunca me canso de ver: “Eternity and a Day” de Theo Angelopoulos e Palma de Ouro em 1998 - cinema digno desse nome.

A apreciar: indeciso se vou para Lisboa este fim de semana para não perder a "Cavalleria Rusticana", de Mascagni, no Festival ao Largo ou se fico mais para cima e piso o "Folk Celta" em Ponte da Barca. Não está fácil decidir.

A comer e a beber: uma dourada daquelas capturadas no Atlântico e depois de escalada colocada na grelha acompanhada por um "Gerbino Chardonnay" das Terre Siciliane, mais precisamente da "Di Giovanna" em Sambuca di Sicilia, não muito longe de Sciacca.

22.07.24

Thank You, Mr.Biden!


Filipe Vaz Correia



 

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Joe Biden anunciou neste Domingo que desiste da sua recandidatura ao cargo de Presidente dos Estados Unidos da América.

Não é uma surpresa para quem tem acompanhado a pressão a que estava sujeito de algumas semanas a esta parte, no entanto, mesmo acossado, Biden esperou pelo seu momento, decidindo o timming da sua decisão.

Joe Biden afasta-se mas não deixa de marcar o processo eleitoral, endossando Kamala Harris para sua sucessora, no entanto, cabe às bases de delegados eleitos nas primárias Democratas que ratifiquem o apoio que estava entretanto reservado a Joe Biden.

Biden foi um excelente Presidente, tendo em conta o país fracturado que encontrou, dividido, com ataques a uma democracia ferida após 4 anos de uma governação trágica de Donald Trump, por isso importa referir que, em torno dos dados da economia, o desempenho desta administração tem méritos inquestionáveis, como a taxa de desemprego, o preço dos combustíveis e o nível da inflação, porém, como vemos por esse mundo a fora, dentro de uma narrativa de extrema-direita crescente, com dados inventados e fake news, a realidade pouco importa, tendo na sua base eleitoral uma espécie de alienação assente nesse cenário alternativo.

Biden foi firme no apoio à Ucrânia, em relação à Nato e à União Europeia, guardião de princípios democráticos e do respeito ao outro, férreo combatente de um crescente conservadorismo bacoco, assente em falsos profetas e fanáticos religiosos, deixando assim um legado que, mesmo daqui a algum tempo, será recordado.

Kamala Harris terá de escolher com muito rigor o seu Vice-Presidente, mas a avaliação desta possível candidata para mais tarde, por agora resta-me deixar aqui a minha gratidão e admiração a Joe Biden pelo seu percurso ao longo de décadas de serviço público, de entrega ao serviço do seu país e do mundo.

Thank You, Mr. Biden.

 

 

Filipe Vaz Correia

 

 

 

 

16.07.24

Noor Nassar - Porque a Fatalidade não tem de nos Tornar Invisíveis


Bruno

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WAFA - Palestine News & Info Agency

 

In war, death is blind. It never stops to look at its victims

Khalid Khalifa, in "Death is Hard Work"

 

Nota prévia: mesmo condenando os acontecimentos do dia 07 de Outubro de 2023 e qualquer acto terrorista, são muitos os que me dizem que só tenho a perder com estes textos. Já o senti aqui e numa rede social - mas afinal andamos neste mundo por algum motivo, e esse motivo não é limitar aquilo em que acreditamos, mesmo que nos coloque mais euros na carteira ou nos dê mais visibilidade. 

 

 

Noor Nassar é uma palestiniana, trainee em advocacia, que face ao conflito na Faixa de Gaza, não conseguiu parar as ondas, mas aprendeu a surfar, um pouco como defenderia o professor Kabat-Zinn.

 

Nassar desenvolveu uma escola móvel. Uma escola onde as rodas são os seus pés e a bagageira as costas. Numa região onde mais de 75% das escolas foram destruídas (sim, os palcos da educação…) é meritório encarar esta vontade em continuar, em não deixar que, como a própria Noor refere, as crianças fiquem enferrujadas, que não percam a sua infância e que não se esqueçam quem são. Já foram tantas as gerações perdidas, esta não deverá ser mais uma.

 

A perda desta geração não só poderá causar um vazio reivindicativo mas também uma ausência de empowerment que já sabemos como acaba. Um povo sem bases educacionais é um povo altamente vulnerável: é aí que está a génese da Schools Without Borders. Um povo sem educação possivelmente entra nos caminhos do fundamentalismo e facilmente se deixa abater.

 

Também são acções como as de Nassar, e os testemunhos das crianças são o melhor eco, que levam a que recordemos a importância da educação - seria importante que muitos, mesmo por cá, desde professores, passando por pais e filhos, pudessem compreender como esta é tão importante para qualquer criança e até para os adultos.

 

É também numa época de tantos activismos mediáticos, que à semelhança de outras localizações (o Irão é um dos maiores exemplos) também na Palestina vemos o poder das mulheres, um poder que é natural e que em muitos casos envergonha os homens. Sem alaridos, sem protagonismos, com acções e sem criar divisões entre homens e mulheres. Aliás, na grande maioria das situações são as mulheres que provocam os homens para que estes se juntem a estas e também façam algo. Um aparte, muito do que é hoje a Alemanha deve-se ao papel das mulheres no pós-guerra, uma força fundamental face a homens destruídos e desmoralizados pelos horrores do conflito.

 

É graças a Noor Nassar que muito provavelmente muitas destas crianças irão de uma forma menos dura ultrapassar a morte dos seus pais e da restante família, é também muito por culpa de Nassar que muitas destas crianças não irão ceder ao ódio contra o outro lado - pois infelizmente em Israel e na Palestina, não raras vezes se ensina, e oficialmente, a odiar o vizinho do lado. 


É esse combate ao ódio, esse empowerment, que poderá daqui a uns anos (se uma bomba não cair no sítio errado) transformar estas crianças em líderes e verdadeiros embaixadores civis não só da Palestina mas também da paz. Homens e mulheres capazes de vencer os constrangimentos que a capacidade bélica e mediática de outros, desde há mais de 100 anos, tem conseguido impor. Serão também estas crianças, que não deixadas cair no ódio e capacitadas para a cidadania poderão dialogar com o outro lado, se bem que do outro lado também é preciso um longo trabalho de capacitação - não tanto de empowerment, mas de capacitação para estas questões, pois os extremos coabitam dos dois lados da fronteira - e infelizmente, o rol de horrores ultimamente tem pendido para mais um lado que outro onde até prisioneiros são vestidos com fardas  que têm câmeras e enviados para a frente como escudos humanos.

 

Finalmente, e sem pensar muito no futuro, também são estas iniciativas que, por alguns momentos, permitem a estas crianças ser efetivamente crianças. Provavelmente, esse será o seu maior ativo para esse mesmo futuro.

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Para ler: um livro genial de Karel Čapek, "A Fábrica do Absoluto". Ao ler este livro de Čapek ficamos com a sensação de que alguém que viveu os primeiros 30 anos do século XX estaria tão a par da realidade actual.

Para ouvir: penso que nunca falei deste senhor aqui, o que é lamentável, mas Freddie de Tommaso é uma daquelas vozes que facilmente se poderia colocar bem perto de um senhor como Pavarotti. Tenho acompanhado o percurso desde que ainda era um "desconhecido" - hoje é uma referência ao nível de grandes tenores como Kaufmann ou Polenzani entre tantas vedetas. Fica o inesquecível "Addio, sogni di gloria" de Carlo Innocenzi  (fenomenal) e  "Che Galida Manina" da minha querida "La Bohème" e do meu querido Puccini.

Para assistir: esta semana, no Theatro Circo, em Braga, lá estarei para o "Endgame" de Beckett encenado por Sílvia Brito. Também em Braga, a partir de dia 17, o MIT24. O MIT 24 é um evento que se prolongará por vários dias e com grandes encenações protagonizadas por múltiplas companhias europeias. É um dos acontecimentos que para mim, viciado em teatro, tem de merecer várias visitas - e depois do Festival de Almada, não poderia desejar melhor. A não perder.

Para comer e beber: um regresso a Oia, desta vez à Casa Henriqueta. Boa comida galega, o "Arroz de Langostinos e Zamburiñas" é qualquer coisa. Depois é a aposta no peixe fresco onde o Rodaballo é rei. Não é tão vistoso como o da concorrência na rua abaixo, mas o sabor derruba todas as reticências que se possam levantar - divinal. Para beber, um O Rosal, o Terras Gauda 2023.  Não é um típico O Rosal leve, mas é de uma frescura soberba.

15.07.24

A Orelha De Donald Trump...


Filipe Vaz Correia



 

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As eleições Americanas subiram o nível de reality show, o dramatismo político irracional do cenário eleitoral...

O atentado contra Donald Trump faz-me recuar no tempo, mais concretamente para as eleições Brasileiras, num acontecimento favorável ao candidato Republicano, mesmo que este lhe tenha posto a vida em perigo.

Deste cenário, romanceado, traz o Trump herói, o sobrevivente, ungido pelo divino que lhe salvou a vida, no entanto, importa referir uma ou outra coisa:

O atirador em questão era um jovem de 20 anos, Americano e pasme-se...

Republicano.

Mais...

Este louco varrido, teve acesso às suas armas, tinha ainda explosivos variados no carro e tendo em conta a legislação aprovada pelo Sr. Trump, por mera sorte não se encontrou por ali uma ou outra bazuca.

A retórica construida por Donald Trump e pelos Republicanos nestes últimos anos será, porventura, a mola impulsionadora deste tipo de ameaça constante que sobrevoa a democracia Americana, algo mudou e se instalou no quotidiano de um País que, apesar do seu historial de farwest, retrocedeu em muito do ponto de vista de cidadania, cordialidade e civilidade.

Trump não é inocente neste atentado, não é apenas vitima, é também e essencialmente o motor para que estes loucos possam concretizar as suas alucinações.

Quanto ao demais, temos de nos alegrar por este "terrorista" ter uma pontaria de um profissional de piercings, visto que a orelha do Sr. Trump ficou perfurada imaculadamente.

Veremos o que daqui resultará, mas creio, espero, que este acontecimento não entregue a vitória eleitoral a um pequeno racista, machista e homofóbico.

Dixit.

 

 

Filipe Vaz Correia