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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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22.04.20

3 petições sobre 25, noves fora...


Sarin

25deabril_selo.jpg

Sobre as comemorações do 25 de Abril muito se tem falado. Mas e as petições? Elas andam por aí, muito concorridas. E discutem-se os seus números com verdadeira paixão, como se num campeonato. Perguntei-me qual o objectivo, pois que uma petição à Assembleia da República, caso bem fundamentada, promoverá a apreciação e a discussão do tema no Parlamento mas nunca será votada, a menos que associada a uma iniciativa legislativa. Portanto, para quê adejar tais números se uma petição não passa da expressão da vontade dos que a assinam, não prevê qualquer votação e não determina qualquer obrigatoriedade que não a de resposta? Todo este entusiasmo permanecerá um mistério, e até um irrelevante. Já o teor das petições é o que poderá fazer a diferença, e é isso que me interessa analisar enquanto potencial signatária.

Petição pelo Cancelamento das Comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República

Dirigida ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro, exige o cancelamento imediato das comemorações e pelo meio diz «(...) juntando centenas de pessoas no seu interior. (...) "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti"(...) Não respeitam minimamente o POVO. (...)»

A primeira frase destacada é, senão uma falsidade, pelo menos um exagero: as comemorações prevêem 130 indivíduos. O interior da Assembleia da República não se resume ao Hemiciclo, portanto eventuais seguranças e pessoal de apoio nunca entrariam nestas contas; quanto aos jornalistas, não consegui apurar quantos estão credenciados junto da AR, mas para chegar às duas centenas de pessoas seriam necessárias 70 credenciações.

Este seria um ignorável pormenor, mera questão de forma, se fosse apenas este. Mas há também o rifão, que assume como regra que ou gostamos todos do mesmo ou não devemos promover para os outros o que nós não gostamos, não importa o que os outros gostem. Castra-se a diferença ou promove-se a intolerância e o egocentrismo, mas isto não interessa nada (ou talvez interesse tudo), desde que as pessoas se identifiquem e sintam que estão presas em casa enquanto os deputados andam na gandaia. Um nítido apelo à comparação de situações (não comparáveis) e destinado à imediata convocação do sentimento de injustiça.

Finalmente, desconheço as acções dos outros, mas eu sei que não outorguei a ninguém o direito falar por mim nesta matéria - mas a generalização que visa identificar cada um de nós, "O POVO", está lá. E pretende aproximar-nos da mensagem, num reforçar da ideia de injustiça. Todo este populismo assim espirrado destruiria pela base qualquer intenção que eu tivesse de subscrever tal petição.

Petição de Homenagem ao 25 de Abril

Dirigida à Assembleia da República, é uma expressão de apoio à homenagem planeada, duas linhas de onde destaco «(...) Saudamos a homenagem que o povo e o Parlamento prestam (...)».

Novamente "o povo". Mas desta vez não pretendem falar ou reivindicar em meu nome. Os peticionários aplaudem a homenagem ao 25 de Abril que o Parlamento vai fazer. Não consigo perceber: se consideram que toda a gente comemorará, e nesse caso "o povo" não é populismo mas ingenuidade; se aplaudem a parte do povo que comemorará, e nesse caso "o povo" é exagero; ou se consideram os deputados como fiéis depositários das intenções do povo, e nesse caso têm razão - os deputados são os eleitos representantes de "o povo", concordemos ou não com as suas deliberações.

Com excepção da dúvida indicada, é uma petição directa, sem ruído e sem populismo. Mas, por vincular o aplauso à homenagem, logo, aos seus termos, dificulta a subscrição por quem deles discorda. Ainda que defenda uma homenagem, como é o meu caso.

Petição pelo Cancelamento das comemorações presenciais no 25 Abril e no 1 de Maio 2020

Dirigida ao Presidente da República, parece ter um objectivo que, afinal, não concretiza, apesar de ser a mais palavrosa, e da qual destaco «Numa altura em que se pede a TODOS os Portugueses (...), que mantenham o distanciamento social e as boas práticas de higiene referenciadas pela Direcção Geral de Saúde, não se entende nem se admite que se façam comemorações presenciais com mais de 100 pessoas (...) Celebraremos (...) sim, mas em casa! (...)»

Ao fazer referência às normas da Direcção-Geral de Saúde, a petição anula toda a intenção que pudesse conter: a DGS foi consultada, como seria de prever, e a regra dos 100 participantes, invocada como fasquia, aplicava-se a eventos públicos - coisa que  esta cerimónia não é.

Se a ideia era cancelar as comemorações, deveria ter sido explicitada no texto. Se a ideia era propor outro tipo de comemorações, deveria ter sido explicitada no texto. Se a ideia era pedir ao PR para não estar presente, deveria ter sido explicitada no texto.

Finalmente, se pretendiam impedir alguma coisa, os peticionários deveriam ter tido em atenção a entidade a que se dirigiram: as comemorações são da responsabilidade da Assembleia da República. O Presidente da República não tem qualquer voto na matéria a não ser enquanto convidado, e isto resulta da independência dos poderes. A menos que contassem instigar a ingerência da Chefia do Estado nas acções da Assembleia da República, tal petição nunca deveria ter seguido para o PR. Enfim, para eu poder, sequer, pensar em assinar esta petição, teria de perceber para que serve. 

Umas considerações em jeito de até para a semana

Criar uma petição ou subscrever uma petição é um direito consagrado na Constituição. E é um direito cujo exercício se torna fácil via Internet. Mas uma petição, depois de submetida, tem de ser enviada para o destinatário, tem de ser avaliada quanto à admissibilidade e só então entrará em agenda para discussão. Uma petição admitida entra na agenda das Comissões Parlamentares ou na do Plenário de acordo com vários critérios, e dificilmente algum será a proximidade de uma data petiocionada. Mas entra, nem que seja na legislatura seguinte, o que significa que estas três petições serão analisadas, obrigarão a resposta e, eventualmente, serrão discutidas pelos deputados. Ou seja, em breve teremos alguém, no extremo todos os deputados, a debater a execução de um evento já passado, à data da discussão, e cuja organização terá sido anteriormente discutida, votada e aprovada também pelo Parlamento.

Ouve-se muito que os deputados nada fazem. Talvez por aqui se vislumbre que a responsabilidade não será apenas deles.

Ainda temos muito a afinar nas petições, parece-me... mas que a cidadania seja mais e mais activa.

Ou, como diria Zeca Afonso, traz outro amigo também

imagem (no topo): on centro 

5 comentários

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    Sarin 22.04.2020

    Há algumas petições nesse sentido. Basta ler e subscrever, caso concorde. Pode subscrever todas, até. Também pode iniciar uma nos termos que achar mais adequados - não paga nada, é 'online' e apenas tem de se identificar e divulgar, angariando signatários. No texto está ligação para a plataforma.
    Apenas reforço o que indico no texto: seja claro no que peticiona e enderece à entidade responsável pela matéria.
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    Figueiredo 22.04.2020

    Grato pelo seu esclarecimento, vou pensar no assunto.
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    Sarin 22.04.2020

    A parte difícil é a elaboração.
    Boa sorte.
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    Figueiredo 22.04.2020

    Não me diga que é preciso fazer um curso para redigir uma petição?
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