A Democracia fenece mas não está à venda
Sarin
Apuram-se os resultados das eleições nos EUA enquanto escrevo este postal. Tardei-o, desta vez intencionalmente, na esperança de poder vir celebrar a forma como a auto-aclamada mais velha democracia do mundo tinha conseguido libertar-se de um Presidente nada democrático e como se preparava para corrigir todos os mecanismos de verificação e contrapeso de que se orgulha, mas que clamorosamente vimos falhar nestes últimos meses.
No entanto, e apesar de os sinais serem mais animadores agora do que durante a madrugada, a verdade é que a democracia já perdeu. A democracia perde quando quem declarada e descaradamente atenta contra ela não é estrondosamente derrotado nas urnas.
Trump, cuja única via de fuga a todos os processos que o aguardam é manter-se na Casa Branca, a meio da noite enviou emails aos seus apoiantes, pedindo-lhes que defendessem a democracia. Há cerca de três horas, novo email pedindo que o defendessem. O.
Há dois fins-de-semana, decorreram as eleições nos Açores. PS ganhou sem maioria absoluta, prepara-se uma traquitana à direita. Mais uma vez, a Democracia em acção, e repito o que digo há muito: democracia não é governação por maiorias mas sim governação com o máximo de representatividade. É mais difícil, mas ninguém disse que governar equivalia a estar de férias. Portanto, seja uma geringonça, seja uma traquitana, venham os governos de coligação ou com aliança parlamentar.
O que me incomoda no resultado das eleições açorianas não é a esquerda não conseguir os 29 lugares para conseguir formar governo. O que me incomoda, preocupa, desgosta e irrita é que os partidos de direita ponderem, por um minuto que seja, uma eventual aliança com um partido ilegítimo, anti-democrático e fascista.
O Chega é tudo isto. E qualquer partido que aceite alianças com um partido fascista é, automaticamente, um partido fascista por conivência. Qualquer democrata eleitor ou simpatizante de um partido que admita sequer tal possibilidade deve rebelar-se contra o seu partido, deve exigir explicações, deve recusar participar em tal farsa democrática. A menos que seja fascista e não o saiba.
Sei que há quem tente estabelecer paralelos entre o PCP/BE e o Chega. Que diga "ah, a Direita não deve aliar-se com a extrema-direita mas a Esquerda pôde aliar-se aos comunistas e bloquistas..." Atentemos que PCP e BE estão na vida democrática desde sempre, por mais que voem acusações de antidemocracia nascidas em julgamentos de intenção. Estes partidos ajudaram a construir a Democracia, o PCP por si mesmo e o BE como herdeiro da UDP e do PSR. Independentemente dos seus projectos políticos e sociais, nunca apresentaram quaisquer propostas que atentassem contra os Direitos Humanos ou contra os princípios democráticos da constituição que ajudaram a escrever.
Concentremo-nos na acção real, não no preconceito. E não confundamos opositor político com inimigo. O PCP e o BE podem ser opositores políticos de toda a Direita, mas o Inimigo é o Chega e está dentro desta. Inimigo não do PCP e do BE mas de toda a Democracia, e usa os nossos mecanismos e os nosso princípios democráticos para nos atacar. Exorto-vos a escorraçá-lo.
Os Republicanos não o fizeram, e o Great Old Party foi tomado de assalto por extremistas religiosos, teóricos da conspiração e supremacistas brancos bem financiados. Recorda-vos algum partido? Sim, e o problema é que os velhos senadores republicanos renderam-se por amor ao cargo.
Os Açores serão uma excelente demonstração do banho de ética de Rui Rio.
Ceterum censeo...
Não adormeçam embalados pelo suave ronronar das palavras fáceis. E fiquem bem. Despertos.
publicado às 17:05