Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

06.02.24

A Festa de Federica...


Bruno

puglia_ollivi.jpg

Imagens: Bruno Nunes dos Santos

 

 

Todos os seres-humanos precisam de comer. Sempre que possível, devíamos fazê-lo juntos.

Robert Waldinger e Marc Schulz, in "Uma Boa Vida - Lições do Maior Estudo Científico de Sempre sobre a Felicidade"

 

 

O crepúsculo mostrava sinais de querer despontar enquanto ali estávamos sentados. É inevitável como o tempo nos enterra enquanto nós o matamos. Alheios a esse pensamento e aproveitando os últimos raios de sol e o vento que parece trazer as vozes e os aromas do outro lado do Adriático, de Dubrovnick ou até de Kotor, já em Montenegro, olhamos os relógios.

 

A tarde havia sido preenchida com os raios de sol e os mergulhos na Cala della Pergola. Pequeno pedaço de areia e de mar que nessa tarde se guardou apenas para nós, finais de Setembro e já poucos a aproveitarem o calor tórrido que ainda se faz sentir em Gargano. Pontualmente, é preciso deslaçar da folia que nos acompanha sempre que vamos para aquelas bandas. Uma Nastro Azurro (aliás, umas duas… talvez mais), boa companhia, águas ainda quentes e o sol… 

 

O final de tarde mediterrânico por excelência vê-se escoltado agora por um vento mais forte junto ao mar, talvez seja a hora ideal para nos afastarmos do bulício e juntarmo-nos aos muitos convivas que nos aguardam. A nossa pontualidade germânica (porque a inglesa é apenas fama) se já em Portugal nos coloca sempre em longas esperas, em Itália é de loucos, todavia, decidimos avançar. Pagamos o prato com uns pequenos peixinhos fritos do Adriático e tentamos desenvencilhar-nos de novos e antigos lobos do bar  que, junto ao porto, teimam em não nos deixar sair e só o apelo às emoções os consegue vencer. Torniamo presto, domani. Ficaram fascinados com fotos de Porto Dinheiro em Ribamar e com alguns portos piscatórios dos Açores.

 

O percurso é apertado, um trilho de terra batida rodeado de oliveiras, pequenas quintinhas e árvores de fruto guiam-nos até ao Ulivi. Somos os primeiros. Acompanhamos a espera com o Negroamaro, pão (pena não ser de Altamura) e o imbatível azeite do Valle d’Itria. As grinaldas de luzes acendem-se e ouvimos também um già qui? Um toque no braço lembra-me para não argumentar e responder com um salve, che piacere vederli!

 

Abraços, beijos, comida e muitos risos. Ouvem-se as primeiras rolhas das garrafas de espumante. O sol despede-se de vez, sendo que agora é o negro e a luz artificial que cobre as floreiras e transforma os tons de verde, branco e castanho em sombras. A festa continua. Velhos e jovens confraternizam de uma forma tão limpa, tão luminosa em toda aquela escuridão, dando ainda mais vida às próprias candeias e mostrando-nos que as coisas simples, de facto, não têm preço. Podemos comprar uma mala ou uns sapatos de tecido rasca de uma qualquer grande marca por milhões, mas nunca poderemos sequer imaginar o valor do sorriso da Federica ou da Noemi. Talvez sejam os genes do Mediterrâneo e de todas as suas gentes, talvez seja a imagem viva das coisas boas da vida, um pouco como a cozinha italiana, que muitos tentam desvendar um segredo que, afinal, é tão fácil de ser revelado: a simplicidade.

 

Deixamo-nos ficar enquanto Federica, no seu vestido branco, deambula a oferecer iguarias num prato decorado com limões. Recostamo-nos nas cadeiras de madeira, pintadas a branco e vamos sorrindo, dançando a Pizzica (tentando…)  e embrenhando-nos numa espécie de homeostasia. Estamos certos de que a montanha nas nossas costas, as oliveiras e demais árvores mediterrânicas que nos rodeiam e o mar, que ali estão à nossa frente serão o testemunho dessa felicidade, mesmo quando nós próprios já formos também o pó, a terra ou a areia que os amparam. Afinal o que é grande e valioso, acontece no eterno...

gargano_puglia.jpg

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para ler: "Os Filhos dos Nazis". Aprecio sempre o outro lado da História, mais terno e mais inocente, mesmo que entre o horror. De Tania Crasnianski Vamos aí encontrar filhos de indivíduos cuja História não tem adjectivos para descrever, apelidos como Himmler, Hess, Höss ou até Mengele.

Para ouvir: Jack Savoretti é um dos nomes do panorama musical atual que mais aprecio. Totalmente underated, tive a oportunidade de o ver e "conhecer" num festival de jazz em Inglaterra e nunca mais o larguei. Mais um músico cuja cacofonia oculta... E talvez ainda bem. Deixo "Love of Your Life" e "The Way You Said Goodbye".

Para usufruir: Ir a Podence! Chocalhar e ser chocalhado no "Entrudo Chocalheiro". Carnaval é isto. E sim, beber e dançar em tudo quanto sirva vinho e carne, especialmente no Curral do Careto - arrisquem e comam a sopa. Em tempos que já começa a ser mal visto, nada como ir contra a corrente, mesmo que implique passar a noite ou o pouco que restar dela a dormir no carro.

Para comer: no regresso de Podence, um desvio por Alijó e uma ida ao "Maria da Glória". Afastado da vila, na Zona Industrial, merece bem a pena a visita. Os enchidos da casa como entrada e as carnes sem esquecer o polvo são qualquer coisa do outro mundo. Aproveitem e peçam ao proprietário para, da varanda, vos identificar os diferentes picos que se apresentam numa paisagem a perder de vista.

4 comentários

Comentar post