A Filosofia de um Abanão
Bruno
Peter Paul Rubens -Der Höllensturz der Verdammten ("A Queda dos Condenados") -Alte Pinakothek - Pormenor
Imagem: ©Bruno Nunes dos Santos
Tirando-o da certeza da desordem e largando-o numa desordem de incertezas.
Khalid Hosseini, in "O Menino de Cabul"
Em tempos, andava eu pelo ISCTE, e um professor marcava uma data de exame quando de repente, e no âmbito de um Mestrado, a vasta maioria da turma apelava de forma furisca à transformação daquele mesmo exame num trabalho de grupo. Face a tal argumentação - onde não tomei parte, pois os trabalhos de grupo são interessantes para pseudo-investigadores de tudo e de nada ou então para indivíduos que têm “frequentador de mestrados e doutoramentos” como profissão e consequentemente muito tempo disponível - o professor apresenta-nos a seguinte questão: “um dia, quando tiverem um grande problema em mãos, um desafio daqueles que tem de ser resolvido na hora, vocês vão parar e dizer: vamos criar um grupo de trabalho”.
Na verdade, tal acaba por ser a constatação de uma triste realidade. Não tenho por hábito percorrer a espuma dos dias, mas face a um episódio de terramoto na região centro e sul do país, parece que foram muitos os que optaram pelo grupo de trabalho, isto em meu entender, que não sou especialista na matéria e a maior proximidade que tenho com sismos foi um pequeno abalo nos Açores, e dois abanões daqueles em Istambul e numa fronteira a médio-oriente pouco recomendável. E lembro-me agora de outro, foi no dia em que conheci a Sophie Marceau.
Sempre pensei que um dos objetivos da comunicação face a uma crise, e neste caso em particular uma crise sísmica, fosse a manutenção da calma. Não obstante, a reacção de alguns políticos e de técnicos foi de pânico intercalada com uma sede de aparecer. Já vimos como é que isto acaba, como também já ficámos a saber que alguns que dizem dormir poucas horas por noite, afinal… Este episódio nem uma crise foi, mas a reacção desmesurada e o “olhem para mim, também estou aqui” não é aceitável. Continuamos a ser provincianos e já nem entre a Arcada e São Bento estamos salvos da paisagem. Hoje, o João da Ega ficaria sem argumentação e muito provavelmente até aplaudiria um "rebola txi txon".
Alguém também está a pensar no grupo de trabalho quando privilegia uma rede social em detrimento de canais de comunicação muito mais eficientes. Temos rádio e televisão, sendo que o primeiro é sempre a forma mais segura de transmitir informações em tempo de crise. E não precisamos todos de ter rádio, qualquer telemóvel tem e nem precisa de internet - além de que vimos como rapidamente o site da Autoridade Nacional de Proteção Civil teve um crash. É importante lembrar que para lá dos privados, o Estado tem canais de televisão e estações de rádio, muitas delas inúteis e completamente carregadas de ideologia e que portanto, o mínimo expectável seria que funcionassem em situações de emergência - até porque todos pagamos para isso na fatura da electricidade e não só. O ideal seria ver pessoas, tranquilamente nas praças depois de tamanha ocorrência e não fechadas dentro de edifícios sem sequer se abrigarem debaixo de uma mesa à espera de um reel ou de um influencer em estilo parolo a guiar as pessoas para os centros comerciais ou para o restaurante da moda para petiscarem aquelas comidas servidas em tachinhos e escorredores de batatas fritas.
Triste é também vermos mais que um jornalista a perguntar porque é que não se colocou informação no Twitter, agora X - não fosse um grupo de pseudo-intelectuais e alguns corporativismos bacocos andarem pela rede a tal hora a espalharem em meia dúzia de caracteres toda a sua sabedoria e intelectualidade. Também assim ficamos a perceber porque é que aquilo que realmente importa não passa na televisão, na rádio e muito menos nos jornais, afinal onde tudo já é comentário ou publicidade, de facto a melhor fonte de notícias será o Twitter.
Falando em jornalismo, às seis da manhã já temos especialistas de tudo a falar de construção, de protecção civil, de réplicas, de quando será um terramoto à séria, do que poderia ter acontecido, da reacção das formigas aos abanões, do estado de espírito dos peixes quando vão na crista do tsunami, do pânico do Boby da D. Umbelina, sem esquecer os especialistas da saúde mental a falar dos traumas de um abanão mais um sem número de banalidades em torno das crianças, das companhias de seguros que em minutos despejaram textos e textos sobre a importância de ter um seguro... e pensar que o saudoso Professor Bitaites iria deixar tantos seguidores. A diferença é que o Professor Bitaites não estupidificava a audiência. Começo a pensar que o sismo, e depois de ter assistido a comportamentos tão estranhos, foi encomendado e teria que ser em Lisboa para ter aquele impacto. É que ainda a "barraca abana" e já temos CEO de seguradoras a postar no LinkedIn, especialistas na posse de toda a "informação" a dar o parecer e altas figuras do Estado a desfilarem na passadeira... Uma coisa é certa, e talvez eu não tenha assistido, mas desta vez não houve o habitual desfile dos coletes laranjas.
A tudo isto alia-se a louca vozearia, somos um país de carpideiras e mulheres de soalheiro dramáticas (na verdade, nada se passou de dramático). Tivemos mais pânico em meia dúzia de horas por causa de um pequeno sismo do que com a destruição de um património natural único no mundo durante mais de uma semana na Madeira. A Madeira, essa ilha onde os capos da Cosa Nostra fazem estágio antes de abraçarem a actividade na sua ilha.
O que verdadeiramente me deixa em pânico, é o facto de que num território de alto risco em termos de actividade sísmica, a maior parte dos seus habitantes não tenha a mínima ideia do que deve fazer, afinal, o conhecimento e a resposta deve estar só com as almas iluminadas - na Coreia do Norte e em tantas outras geografias também é assim, sobretudo quando a tragédia acontece e à boa maneira de José Rodrigues dos Santos, abrem os telejornais com um “Morreram Todos!”.
Num país onde nada de relevante acontece (mas tanta outra coisa tem lugar), precisamos mesmo de um valente abanão ou de uma grande onda que nos acorde para a realidade. E que tal criarmos um grupo de trabalho para isso?
P.S.: a próxima pessoa que me perguntar se senti o terramoto, não tenho a mínima dúvida que vai conhecer o epicentro do mesmo em segundos.
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Para ler: esta semana deu-me para a dramaturgia e bem a propósito lembrei-me de pegar em “One for the Road” de Harold Pinter. Como referi, bem a propósito.
Para ouvir: foi a minha companhia de viagem na madrugada de domingo, a Senhora Vanoni no seu albúm “adesso”, gravado ao vivo. O medley que junta “Che cosa c’è”, “Senza Fine”, “Dettagli”, “L’appuntamento”, “Vedrai vedrai” e “Domani è un altro giorno” deveria ser Património da Humanidade.
Para apreciar: um dos grandes eventos a Norte e no ambiente único da Póvoa de Lanhoso. A Romaria de Nossa Senhora do Porto D’Ave é uma combinação singular de religioso e profano e onde toda a envolvência pode ser degustada na companhia de um verde e de um “Bife à Romaria”.
Para beber: não é um vinho para ganhar o prémio de melhor vinho verde do mundo, mas acompanha bem uma refeição de Verão e ainda melhor as maçãs da quinta que lhe dá o nome. O Quinta de Argemil Loureiro , nascido entre Barcelos e Esposende, é uma boa companhia para aquelas tardes...