A Morte de Iryna Tsybukh
Bruno
Imagem:hospitallers.org.uk
A única solução para a liberdade num país em guerra... a única história sobre a liberdade neste cenário é a luta por essa mesma liberdade.
Iryna Tsybukh
Atravessamos uma conjuntura em que os media (e até nós) procuram tanto por heróis para inspirar as massas, mesmo que construidos à força. Talvez por isso, tenha passado ao lado de quase todos a morte de uma mulher que poderia ser um exemplo. Não seria propriamente uma desconhecida, mas não estava ao nível daqueles que despejam palavras bonitas através do guião que o assessor de comunicação lhes deu e que fica sempre bem debitar na televisão, durante um concerto ou até nas redes sociais. Frases e ativismos de pulseira.
Essa Senhora, foi Iryna Tsybukh (também conhecida por “Cheka”), uma paramédica, ativista e até uma personagem televisiva que se atirou para a frente de batalha na Ucrânia, suportada pela “Hospitallers” e que aos 26 anos encontrou a morte em Kharkiv. Tsybukh já havia recebido a Ordem de Mérito ucraniana das mãos de Zelensky e era uma das principais mensageiras da guerra com 19 000 seguidores no instagram. De facto, é coisa pouca, mas talvez sejam 19 000 seguidores reais e efectivamente interessados. Por vezes, basta uma pessoa para mudar o mundo e um pequeno grupo que a acompanhe - na verdade, as grandes mudanças, sobretudo na sociedade actual não são propriamente obra das massas, embora estas se sintam orgulhosas a pensar que sim.
Ao ler sobre a morte de Tsybukh, veio-me rapidamente à memória a curda Roya Heshmati ou até Mahsa Amini, sendo que Heshmati não teve a morte trágica das outras duas. É uma experiência extramundana assistir à forma como estas Mulheres de fibra e desprendidas de holofotes se apresentam ao mundo, sobretudo as iranianas. As iranianas que efetivamente, num país onde os homens têm de facto um poder superior, não hesitam em dar a vida pelo regime, pela liberdade e por tudo aquilo em que acreditam dando o passo que muitos desses homens não dão.
Para mim, são estas mulheres (e claro, muitas outras e também muitos homens) as verdadeiras embaixadoras da paz. São estas embaixadoras da paz que efectivamente lutam no terreno pela mesma enquanto as instituições da paz e dos céus embolsam 35 milhões de euros com organização de eventos lúdicos pagos por aqueles que mais apanham, os terrestres.
Como Tsybukh, muitas outras mulheres já morreram também na Ucrânia, um país em guerra que se viu invadido por uma força estrangeira mas também fantoche de outras forças. Por muito que condenamos esta guerra, e eu condeno desde o início e apoio o auxílio internacional, não podemos ignorar o todo desta história - até conversas difíceis arranjei por isso - quer por condenar a guerra quer por não embarcar na solidariedade mediática.
Talvez hoje, este texto,e tão próximo de uma data como o 6 de Junho (o famoso “Dia D”) me faça recordar uma frase que Tsybukh nos deixou e que faz todo o sentido para não repetirmos os erros do passado. Faz todo o sentido para não camuflarmos a História, para não estarmos constantemente a relembrar um evento e a esquecer tantos outros. Talvez por isso tenha esta Senhora expressado que “precisamos de uma estratégia para a memória.... A memória molda a sociedade... Fazemo-lo não por nós próprios, mas pelas gerações futuras. Não nos lembramos dos mortos, porque eles já morreram. Fazemo-lo por aqueles que vão sabê-lo. Nós sabemo-lo melhor porque somos participantes destes acontecimentos. Mas mais tarde haverá muitas pessoas que não se lembrarão disto como nós”.
Talvez uma das prioridades do nosso tempo seja essa, uma estratégia para a memória. Uma estratégia para honrarmos todos aqueles que morreram e que mesmo assim não soubemos recordar repetindo constantemente os mesmos erros manchados de sangue._
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Para ler: este é talvez um dos melhores livros que li nos últimos tempos. De Bernardo Zannoni, “As Minhas Estúpidas Intenções”. Uma fábula escrita de uma forma simplesmente brilhante. A ler obrigatoriamente.
Para ouvir: de um filme soberbo de Iñárritu, só poderia ter uma banda sonora genial que contou também com Sakamoto. “Endless Flight” de Gustavo Santaolalla é uma daquelas músicas para nos fazerem sobrevoar o mundo enquanto nos sentamos ou deitamos a ouvi-las. Fazem-nos navegar pelo mundo e por pensamentos nem sempre apetecíveis. Foi também um “endless flight” a compra do CD pouco depois do filme sair, mas lá se conseguiu a um preço que dava para comprar uma colecção deles.
Para ver: uma coisa leva à outra e por isso a minha sugestão é clara: "Babel"! Um filme do mundo real, e por isso um daqueles mais complexos de ver e sentir. Quatro histórias brilhantes de visualização obrigatória.
Para aproveitar: eu direi para viver, estão aí as Festas de Lisboa, é aproveitar ao máximo como se não houvesse amanhã. Por falar nisso, nada como passar no arraial da Vila Berta, lá para os lados da Graça.
Para comer e beber: no município de Meis (Pontevedra), em A Armenteira, para além do fantástico mosteiro de Santa Maria de Armenteira (Monumento Nacional), logo em frente existe um local extremamente simpático: “Bar O Comercio”. Para tapear a preços convidativos. Um “pulpo a la gallega”, os “chipirones” e tantas outras iguarias na companhia de uma Estrella Galicia fazem toda a diferença e são uma ótima forma de relaxar depois de uma visita ao mosteiro e antes de uma boa jantarada em Cambados ou O Grove.