Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

13.11.20

As nossas vidas


JB

  Vou escrever sobre o Joe Biden.
  Se pensa que vou escrever sobre o presidente eleito dos Estados Unidos, engana-se. Vou escrever sobre alguém muito semelhante, mas que vive no meu prédio. 
 É muito conveniente o facto deste Joe viver no meu prédio: assim ninguém me acusa de estar preocupado com coisas que estão longe. Estou a dar importância ao que me está mais próximo e assim é que tudo faz sentido. Aqueles que escrevem sobre outros países, mesmo os que estão mais perto - como Espanha - ou os que escrevem sobre outros concelhos mais a norte ou a sul do nosso país, saberão o que se passa na sua zona de residência? Será que não estão apenas a falar desses assuntos para desviar as atenções do que se está realmente a passar no  seu próprio prédio? Ah pois é... Assuntos sem interesse que desviam do essencial: o meu prédio. Até porque é o prédio mais próximo do meu umbigo.

 Como estava a dizer, o Joe é meu vizinho. Um dia estava a subir com os miúdos e ele a descer. Cumprimentou-me de modo afável e contou-me uma estória. Disse-me que desde pequeno os seus pais lhe tinham incutido a ideia de que 'tu não és melhor que ninguém, mas ninguém é melhor que tu'. O Joe acreditou nisso e decidiu que aquela frase (que os pais lhe disseram) era uma verdade. Só por causa dessa decisão, para o Joe passou a ser. Até mais que uma verdade, uma máxima. Nunca se deixou humilhar, nunca humilhou ninguém. O Joe preveniu-me logo, disse-me que aquilo que aprendeu  dos pais não era uma verdade absoluta, havia muita gente que não pensava assim. Disse ainda que achar que ninguém é melhor que nós  pode ser considerado arrogância e que para saber isso é preciso ter igualmente certo que nós não somos melhores que ninguém. Avisou ainda que havia os crentes na frase oposta 'És melhor que muita gente e existem pessoas melhores que tu'. Que esses eram os fortes com os fracos e fracos com os fortes. Achavam ser  melhores por causa do que eram ou tinham e que os outros seriam piores por causa daquilo que não eram ou não tinham.  Disse que a guerra era antiga entre estas duas filosofias. Que em última análise, são uma escolha individual para aqueles que ainda conseguem escolher.

 -Como assim os que ainda conseguem escolher? Perguntei eu, em parte por curiosidade, em parte para não ficar só calado a olhar para o Joe. (Ele quando começa a falar nunca mais pára).

 O Joe, encostou-se ao corrimão da escada do nosso prédio e com um sorriso triste disse-me:

- Muitas pessoas estão presas nas suas próprias limitações e só se sentem bem quando inferiorizam outros, se um dia pararem de culpar os outros, se um dia deixarem de se sentir superiores aos outros, se um dia forem confrontadas com o seu próprio ridículo, não vão aguentar. Insultam, desmentem, esperneiam mas nunca irão admitir o óbvio. São muitas assim e existe um conforto real nessa postura. Basta ver qualquer creche ou infantário, é assim que nós humanos começamos a socializar.

-Está bem Joe - digo já um bocado impaciente e com os braços a pesar das mochilas dos miúdos - compreendo, começamos assim mas depois evoluímos e hoje em dia as pessoas já comunicam e entendem-se melhor do que num infantário não?

-Mas tu sabes o que é que se está a passar nos Estados Unidos? - pergunta-me o Joe com um ar surpreso.

Estava cansado e aquela pergunta foi a gota de água.

-Epá ò Joe - disse-lhe um pouco irritado - o que é que te interessa os Estados Unidos, tu sabes o longe que isso fica? Preocupa-te mas é com o nosso prédio pá.

E fomos todos às nossas vidas.

 

 

JB

20 comentários

Comentar post