Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

23.05.20

Caldeirada Com Todos... “Dr. Doutor”


sardinhaSemlata

0E103F0F-D1FB-4DD4-9C33-D3A69191E8F0.jpeg

 

Zero vírgula cinco doutores por quilómetro quadrado

Temos médicos a mais ou a menos, em Portugal? Para os mais populistas e revoltados, e aos que não lhes foi removida a vesícula porque o Sr. Dr. não podia porque tinha de meter o dedo no rabo a alguém: faltam médicos; para os politicamente correctos, de fato e gravata, que olham para os números, comem saladas e sementes e nunca saíram de um gabinete para irem às trincheiras de um hospital: temos a mais. Se me perguntarem a mim, a minha resposta é: “não sei, nunca os contei!”. E agora nó no cérebro, o mais incrível sobre estas três respostas, na voz da Cristina: estão... cer-taaaaaas...!

Há alguma ironia nessa minha resposta, mas é a mais real das três. Não sei eu nem sabe ninguém, quantos médicos temos em Portugal. Por um lado, Portugal terá aproximadamente 4.6 médicos por 1000 habitantes, rácio bem acima da média dos 3.2 dos outros países da OCDE: temos médicos a mais (3.º lugar do ranking). Por outro lado, só pouco mais de metade (2.8) exerce no Serviço Nacional de Saúde: temos médicos a menos. Mas que números são estes? São os médicos inscritos na Ordem? São médicos com licença para exercer? E os que emigraram ou mudaram de profissão? E aqui está o problema: não sabemos ao certo quantos médicos temos em Portugal nem onde estão.

Podemos fazer uma estimativa, é certo. Pelo menos os do Serviço Nacional de Saúde conseguimos contabilizar (2.8) e sabemos que existem carências. E para aqui é que deveríamos dirigir as atenções. Onde estão estes médicos? De que especialidade são? Quantos há no Litoral e quantos há no Interior? Quantos há no Norte e quantos há no Sul? E a questão mais importante: o número de médicos numa zona é adequado às necessidades em saúde dessa população?

Muitos apontam soluções dramáticas: “os médicos deviam ser obrigados a trabalhar no SNS”; “abram mais vagas para o ensino superior”; “abram faculdades de medicina privadas”. Algumas destas medidas não resolveriam o problema, nem a longo prazo. Umas porque um médico especialista demora cerca de 12 anos a formar-se e depois pode não se fixar num sítio carenciado; outras porque seriam um arrombo na fatia do orçamento para a saúde, para um Serviço que é insustentável e que apresenta um subfinanciamento crónico. E para quem acha que o problema se resolve sem pensar em dinheiros, verifiquem outra vez a vossa conta bancária…

Portanto, o problema é mais complexo do que um simples número de matemática ou uma regra de três simples. A meu ver, é um problema sistémico, de gestão a vários níveis, onde se deve articular e repensar: o acesso à faculdade, a forma como é feito, o modo como os cursos estão organizados, as vagas para especialistas, a distribuição de médicos pelo país, a fixação de médicos no SNS, a procura e a oferta em saúde às populações e a insustentabilidade do SNS. Por enquanto, os trabalhadores do SNS têm feito omeletes sem ovos, colocando o serviço no topo dos melhores do mundo. Isso é uma conquista de que nos podemos orgulhar, oxalá ninguém deseje um sistema como o americano. Pelo menos, até vir um iluminado para nos “resolver o problema”, olhemos sempre para as notícias com espírito crítico, e respondamos da forma mais inteligente quando nos perguntarem quantos médicos há em Portugal: “0.5 doutores por Km quadrado!”.

 

Dr. Doutor

 

8 comentários

Comentar post