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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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19.09.20

Caldeirada Com Todos... “Isa Nascimento”


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Natalidade no século XXI – o novo paradigma

 

É frequente ouvir-se, e até dizer-se, que é por causa da crise financeira que não nascem mais bebés.

A conversa de que os jovens não têm dinheiro para terem filhos tem-se atravessado no meu caminho muitas vezes, surgindo sempre a crise económica como causa principal da reduzida taxa de natalidade em Portugal, a quinta pior da União Europeia em 2019, segundo os dados do Eurostat.https://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/11081093/3-10072020-AP-EN.pdf/d2f799bf-4412-05cc-a357-7b49b93615f1

Este assunto não surge por acaso… tenho dois filhos, onze sobrinhos e dois sobrinhos-netos, para além de ter estado envolvida no movimento associativo parental alguns anose acompanhar jovens em processos de desenvolvimento pessoal. Portanto, é frequente falar sobre os jovens e o seu futuro.

 

Esta justificação simplista para uma realidade que se observa em quase todos os países ditos “desenvolvidos”, e que se traduz num crescimento natural negativo* da população da União Europeia (UE) desde 2012 de acordo com a mesma fonte, causa-me sempre “pruridos”, sendo normal inflamar-me durante estas conversas em que acabo por afirmar que o problema é realmente uma crise, mas de valores e não de dinheiro.

 

*quando o número de mortes é superior ao número de nados-vivos

Contudo, não idealizei esta publicação como um artigo de opinião. Não é minha intenção tecer críticas de qualquer tipo, mas sim apresentar factos, os factos que considero pertinentes para justificar a minha convicção de que os jovens de hoje não têm filhos, ou têm menos filhos, não por falta de dinheiro, mas por viverem numa realidade completamente distinta daquela em que a humanidade viveu até ao final do século XX.

 

 

Comecemos então pelo estado atual da natalidade no nosso país, de acordo com as Estatísticas Demográficasreferentes a 2018 (ED2018) https://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=404426819&att_display=n&att_download=y publicadas pelo INE:

 

Nados-vivos (Nº): Em 2018 registaram-se 87 020 nados-vivos, filhos de mães residentes em Portugal, um acréscimo de 866 em relação a 2017 (1,0%).

 

Taxa bruta de natalidade (): 8,5 nados-vivos por mil habitantes, correspondendo à taxa mais alta desde 2013, ano em que foi de 7,9‰; em 2017 foi de 8,4‰.

 

Taxa de fecundidade geral (‰): 37,88 nados-vivos por mil mulheres em idade fértil (entre os 15 e os 49 anos de idade); em 2017 foi de 37,17‰.

 

Idades médias das mulheres ao nascimento dos filhos:Ao nascimento do primeiro filho foi de 29,8 anos; ao nascimento de um filho foi de 31,4 anos.

 

Ordem de nascimento: Dos 87 020 nados-vivosregistados em 2018, 51,1% foram primeiros filhos, o valor mais baixo desde 2013, 36,4%  foram segundos filhos e 12,5% foram terceiros filhos ou de ordem superior; significando que a taxa bruta de natalidade tem vindo a aumentar com o nascimento de segundos filhos ou de ordem superior, enquanto o número de primeiros filhosdesce.

 

Nados-vivos segundo a nacionalidade das mães: Entre 2013 e 2018, a proporção de nados-vivos de mães de nacionalidade estrangeira, por relação ao total de nados-vivos de mães residentes em Portugal, subiu de 8,9% para 10,8%.

 

 

Nas últimas décadas, as mulheres residentes em Portugal, à semelhança do que se observa na União Europeia (UE27), têm tido, em média, menos filhos.

Segundo o relatório do Eurostathttps://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/11081093/3-10072020-AP-EN.pdf/d2f799bf-4412-05cc-a357-7b49b93615f1 publicado a 10 de julho de 2020, em 2018 o índice sintético de fecundidade (ISF) na UE27 foi de1,55 nados-vivos por mulher, comparativamente a 1,56 em2017 (em Portugal foi de 1,41 e 1,37 nos mesmos anos), sendo que a idade média da mulher ao nascimento em 2018 foi de 30,8 anos (em Portugal foi de 31,4).

De acordo com aquele relatório, as taxas de fecundidade nos Estados-Membros da UE diminuíram continuamente desde meados da década de 1960 até à viragem do século. Contudo, entre 2000 e 2017 observa-se que a taxa de natalidade na UE tem diminuído a um ritmo mais lento.

 

Assim, ainda que os dados de natalidade em Portugal possam ser inferiores à média da EU em alguns indicadores, verifica-se que a redução do número de filhos por mulher é uma realidade transversal a todos os países da EU, desde os mais ricos, aos mais pobres, pelo que não pode ser explicada unicamente pelo baixo rendimento médio que os jovens auferem atualmente.

 

Parece-me então que cada vez mais jovens optam por não ter filhos ou por adiar o alargamento da família. Tratar-se-á de uma decisão que tomam com base na realidade das suas vidas, onde se incluem muitos fatores para além dasua situação financeira.

 

Coloca-se então a pergunta: Quais são esses fatores?

 

1 – o aumento do nível de instrução da população

O investimento na educação leva a uma entrada mais tardia no mercado de trabalho, com o consequente adiamento da concretização da relação conjugal e da decisão de ter filhos. A literacia está também associada ao uso mais frequente e eficaz de métodos anticoncecionais e de planeamento familiar.

2cada vez mais mulheres dão prioridade à carreira profissional

Segundo a base de dados PORDATA, https://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+matriculados+no+ensino+superior+total+e+por+sexo-1048-8485 dos 385247 estudantes universitários matriculados em 2019,  208 587 eram do sexo feminino (54%). Atualmente, o sonho de grande parte das jovens é terem sucesso na sua carreira profissional para que tenham independência financeira e não se vejam na situação frágil em que viram a sua mãe após o divórcio… Assumir uma relação conjugal e tornarem-se mães passou para segundo plano.Elas sabem perfeitamente como é tão difícil conciliar a maternidade com uma carreira profissional exigente.

3 – a falência do “casamento para a vida”

Segundo as ED2018, celebraram-se 34 637 casamentos e foram decretados 20 345 divórcios em 2018, correspondendo a 3,4 casamentos e a 2,0 divórcios por mil habitantes.

Confirma-se a tendência crescente para a “residência comum” antes ou em vez do casamento, assim como o adiamento da idade ao casamento em ambos os sexos. Em Portugal, a idade média ao primeiro casamento em 2018 situou-se em 33,6 anos para os homens e 32,1 anos para as mulheres. As relações conjugais são assim assumidas mais tardiamente e sem a conotação de “porto seguro”que lhes era reconhecida antigamente. É notório que as escolas estão atualmente cheias de filhos de pais divorciados, muitas vezes sofrendo de problemas emocionais graves associados a isso. Esta geração deixou de confiar no casamento.

4 – a espera pela “altura ideal”

Enquanto os nossos pais tinham “os filhos que Deus dava”, acreditando que “onde come um, comem dois ou três”, hoje espera-se pelo momento “certo” para assumir as responsabilidades parentais. Isto significa que se procura alcançar determinadas condições de vida, profissionais e financeiras antes de constituir família. Na prática, essa espera leva muitas vezes a que, quando a “altura ideal” é finalmente alcançada, a “idade certa” já tenha passado ou já só permita ter um filho. Portugal tem vindo a tornar-se um país de filhos únicos.

5 – os hábitos de consumo e o estilo de vida

Os jovens hoje têm acesso a uma imensidão de informação, sendo constantemente assediados pelos prazeres da vida. Desejam comprar, passear, conhecer o mundo, sair com os amigos, desfrutar das novas tecnologias o máximo possível. Não poupam para comprar casa, mas sim para comprar carro, telemóveis, videojogose vestuário, ir aos concertos de verão ou jantar fora com os amigos. Mesmo vivendo com os pais até bem mais tarde do que acontecia há pouco mais de 20 anos, raramente conseguem poupar porque o seu sonho é desfrutar plena e livremente da vida antes de se “prenderem” a uma relação conjugal.

Têm necessidades que antes não existiam e sabem que a parentalidade os impedirá de fazerem muitas das coisas de que gostam e, inclusive, de darem aos seus filhos aquilo que consideram essencial. O materialismo impera no seu quotidiano.

6 – a crença de que não vale a pena “mandar vir” mais crianças para este mundo

Por todo o lado veem violência e ouvem vaticínios calamitosos. São constantemente bombardeados com a frase de que “a vida está difícil”. Têm perfeita noção de que a qualidade ambiental do planeta está em declínio e que há uma grande probabilidade de que os seus filhos não possam brincar no jardim… Sabem que a humanidade estáa colapsar num processo autodestrutivo e que, quando chegarem à velhice, nem reforma terão… Para quê ter filhos?...

 

Talvez haja mais fatores associados a esta realidade observada em Portugal e na maioria dos países da UE, mas tem pouca expressão à escala mundial. Basta entrar na página Worldometers https://www.worldometers.info/pt/para constatar que a humanidade continua a crescer a um ritmo alarmante.

 

Talvez seja tempo de aceitarmos naturalmente este novo paradigma social em vez de nos preocuparmos tanto com a redução da natalidade, que serve apenas para pressionar ainda mais os nossos jovens, causando-lhes, por vezes, sentimentos de culpa por não quererem ou conseguirem ser pais.

 

 

Isa Nascimento

 

 

 

 

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