Caldeirada Com Todos... “Júlio Farinha”
sardinhaSemlata
Séneca sem distância
O problema da Eutanásia foi água que já ferveu no parlamento português e envolveu largos sectores da nossa sociedade. Como não me ocorreu, em altura mais oportuna, levantar bandeiras pelo direito à morte por iniciativa própria, e por ter só agora lido um belíssimo texto de opinião sobre o assunto publicado em 25.05.2018 no Público por Bárbara Reis intitulado A eutanásia segundo Séneca, o sábio da morte, escrito no calor de uma fase da polémica já citada, dá-me sobejas razões para discorrer sobre a defesa e justificação da eutanásia.
Começa a autora por recordar os acérrimos defensores religiosos que defendem a vida a todo o custo, nomeadamente a invocação dos paliativos que supostamente desempenham um papel muito importante no combate e na minoração do sofrimento de quem é doente terminal. Acrescentam, também, que a eutanásia é uma violação da dignidade da vida.
Séneca recordou que o direito de morrer antes do tempo não tem nada que ver com a dor mas, justamente com poder morrer de forma digna.
É sabido que nos seus preciosos escritos sob a forma de cartas ao seu amigo Lucílio, Séneca, que aí assinava invariavelmente com a palavra adeus, atormentado com o problema da morte não se incomodava, paradoxalmente, com o ter uma vida longa. Para ele , a morte era expectável e uma certeza. No entanto, queria viver de forma a ter uma morte boa. Ambas as circunstâncias tinham que ser justificadas. O morrer e o viver podem ser boas ou más. E a vida boa prepara uma morte digna. A vida tinha que correr com justiça, e como se pode discorrer de um Kant, séculos mais tarde, um bom viver justifica um bom fim. Toda a nossa vida e o seu ocaso são, em suma, prescrições de uma boa vontade.
Bárbara Reis invoca a história de um gladiador que pôs fim à vida na arena antes do espectáculo começar. Este gladiador não foi esfarrapado e comido aos bocados pelos leões. Seria um final abjecto para gáudio da turba. Escolheu o seu fim. Fez uma escolha de qualidade.
Séneca admitia, assim, recorrer à eutanásia em condições especiais. E Bárbara cita, a propósito: viver não é uma coisa boa em si mesma, mas sim viver bem (...) e sábio é aquele que vive até onde deve, não até onde pode.
Os lideres religiosos, que Bárbara Reis identifica, argumentam em primeira mão que a eutanásia tem a ver com a desvalorização da vida. É o contrário - responde BR - uma vida mais longa não é necessariamente melhor e uma morte mais longa é necessariamente pior.
Séneca afirma que a vida deve ser medida pela qualidade e não pela quantidade e que o seu prolongamento não deve ser um fim em si mesmo. Uma vida longa, só o é, se for plena e se for vivida por aquele que é bom amigo bom cidadão e bom filho.
Hoje, que a morte nos ameaça, façamos tudo o que é possível por viver bem e, quando chegar a nossa hora, pois cada um tem o seu tempo, tenhamos a coragem de não querer viver mal. Pois a vida é nossa e só nossa. É um direito nosso, inalienável.