Caldeirada Com Todos... “Pedro Neves”
sardinhaSemlata
As duas palavras mais temidas por qualquer escrevinhador desinspirado, parcialmente alheado da atualidade e focado no desconfinamento: “tema livre”. Ainda pensei em alguns temas, mas as palavras simplesmente não saíam. Virei-me, por isso, para a fotografia, o meu desbloqueador preferido de textos.
Não foi preciso remexer muito na pasta de fotografias para encontrar uma que pudesse servir de base para este texto. Uma das mais recentes, feita no passado fim-de-semana, reteve-me a atenção. Não mostra nada de espetacular, apenas dois bancos de madeira no jardim da Avenida Luísa Todi, em Setúbal.
O que me chamou a atenção, ao vivo e depois ao passar os olhos pelas fotografias desse dia, foi mesmo a diferença no comprimento dos dois bancos, ambos de aspeto já antigo. Assim a olho, diria que o maior é quase três vezes mais comprido que o outro, de tamanho convencional, praticamente idêntico aos bancos de madeira que vemos espalhados pelas ruas das cidades portuguesas. O banco mais comprido não é um acidente ali, já que, ao longo da avenida, existem vários destes bancos em tamanho “extra grande”.
É difícil dizer se teria reparado nestes bancos noutras circunstâncias, mas a verdade é que hoje, aos olhos de um visitante, aqueles bancos parecem monumentos a uma outra era da convivialidade (mesmo que já estivesse em declínio antes do último ano).
Só posso especular o que poderá ter passado pela mente de quem especificou o tamanho daqueles bancos, mas, entre outras coisas, o seu comprimento reflete uma surpreendente e salutar dose de otimismo no poder do encontro e da cavaqueira. Aos olhos de um citadino habituado a ver duas, vá, no máximo três, pessoas sentadas num banco de jardim, aqueles bancos parecem ter sido feitos a pensar em famílias ou cliques inteiras.
Vistos assim, lado a lado com os seus congéneres mais pequenos, estes bancos parecem autênticas dilatações do espaço, como se uma mão invisível os tivesse esticado a seu bel-prazer. Um olhar mais cínico poderia dizer que aqueles bancos extra-compridos foram concebidos à frente do seu verdadeiro tempo, aquele em que vivemos hoje, sob o signo do distanciamento social. Prefiro um olhar mais bem-humorado, aquele que nos permite afirmar, com todas as cautelas da DGS, que em nenhuma outra avenida portuguesa é mais seguro a dois amigos sentarem-se num banco de jardim a conversarem, cada um na sua ponta. (Quase que consigo imaginar a primeira coisa que dirão: “Ouves-me daí?”)
No contexto do momento que vivemos, em que começamos gradualmente a sair das nossas casas e a retomar a vida cá fora, estes bancos recordam-nos dos tempos que foram e que ainda podem voltar, marcados pela alegria do encontro e pelo conforto da companhia. Parecem dizer “venham sentar-se aqui, cabem todos”. São uma das bonitas ideias que encontrei em Setúbal — bancos que se alongam no passeio e na imaginação.