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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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14.11.20

Caldeirada Com Todos... “Rita Palma Nascimento”


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Da trilogia: Pandemia, Grandes Superfícies e Comércio Tradicional

 

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Desde o aparecimento dos primeiros grandes centros comerciais, que concentram múltiplas ofertas no que ao retalho e serviços diz respeito, que o comércio tradicional tem sido fortemente esmagado. Os motivos são bem conhecidos e prendem-se, sobretudo, com a evolução dos tempos e com as alterações do estilo de vida das sociedades, que ditaram mudanças nos hábitos e consumos.
Se por um lado fomos alimentando a falta de tempo e fomentando a nossa indisponibilidade para socializar, por outro, foi-nos dada a oportunidade de ter, no mesmo espaço comercial e sempre à mão, uma panóplia de produtos (desde os bens essências, ao vestuário, passando pela tecnologia, pela decoração, calçado, beleza, saúde…) a preços competitivos e sem necessidade de interação e proximidade com o vendedor. Afastámo-nos da familiaridade e da afeição pelas gentes do bairro e concentrámo-nos na frieza dos grandes centros de consumo.  

Porém, ironicamente, a actual pandemia veio exigir uma forçada inflexão do caminho, obrigando-nos a uma privação radical do contacto directo e humano, dos afectos, das conversas de circunstância à esquina da rua, da partilha familiar, da reunião de colegas e amigos, dos aglomerados de seres humanos quer em espaços abertos, como fechados. Isolou-nos e despoletou em nós a necessidade de reflectir e corrigir o possível. Voltámos a sentir saudade do trato carinhosos da dona Amélia da mercearia, do telefonema da dona Joana da papelaria dando conta de que o livro chegou, ou do sorriso fácil do senhor José do talho da rua de trás, quando nos pergunta quantos são os bifinhos tenrinhos do costume. O medo de frequentar grandes superfícies é agora algum e o pensamento aproximou-nos dos mais pequenos, numa angustia partilhada pelo confronto directo com as dificuldades (ainda maiores) que o comércio tradicional continua (e continuará a atravessar).  Porque, sabemos e sempre soubemos, que pesados os pratos na balança, o volume de facturação, o número de transações, o peso dos negócios imobiliários e o bolo de impostos e taxas associadas às grandes superfícies, teria muito mais interesse para os cofres do Estado do que as receitas globais provenientes do pequeno comércio.


Assim foi e assim é. Fruto das medidas adoptadas para o combate à pandemia (desde março até ao presente), muitos pequenos empresários e comerciantes viram-se na obrigação de suspender as suas actividades, enquanto outros acabaram mesmo por fechar portas, na incapacidade de fazer face às despesas inerentes ao negócio, agravadas pela necessidade urgente de investimento preventivo e adaptação de espaços e negócios à nova realidade. (Note-se que, na sua maioria, falamos de pessoas de idade pouco interessante para o mercado de trabalho nacional, pelo que a procura de novo emprego será também ela dolorosa).   

Contrariamente, as grandes superfícies permaneceram abertas sem grandes restrições de horários, para consumo de bens alimentares, tecnologia e saúde – numa primeira fase, reabrindo integralmente numa segunda, fruto da forte pressão que o sector retalhista exerceu junto do poder central. Por aproveitamento da situação, e não só por “culpa” da pandemia, uma vez que as grandes marcas/empresas detêm estruturas capazes de assegurar situações de quebra abrupta, milhares de funcionários foram dispensados, desde quadros técnicos e superiores, aos lojistas, passando pelo pessoal dos stocks e logística, transporte, contabilidade, departamento de RH, etc. Porém, na sua maioria, as receitas continuaram a crescer, aquando da reabertura de portas, embora não com o mesmo dinamismo. E aqui, importa referir que a pandemia provocou uma forte disrupção nas rotas de comércio internacional, obrigando as empresas a repensar estratégias e apostar de forma mais concentrada na produção nacional e nas redes de abastecimento local, a fim de evitar a interrupção do fornecimento de produtos.

Citando Leon C. Megginson, numa frase recorrentemente atribuída a Darwin, “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”

Todavia, se por um lado foi aberta uma porta aos produtores nacionais, por outro, nem todos estão aptos a transpô-la. E a esses, vai valendo o comércio tradicional, onde os produtos são vendidos a um preço ligeiramente superior. Isto acontece porque as grandes empresas, ao comprarem grandes quantidades, negociam valores, permitindo vender mais barato, mas diminuindo consideravelmente a margem de lucro do produtor.  

Desta forma, ao comprarmos no comércio local, não só estamos a ajudar quem heroicamente sempre esteve disponível para nós, oferecendo com afecto e simpatia o que de melhor e “mais nosso” podemos encontrar, como estamos igualmente a contribuir para que os pequenos e médios produtores se mantenham.

Ainda se lembra de quão aconchegante é dar dois dedos de conversa com a senhora do pronto a vestir? E poder oferecer as flores mais frescas compradas na simpática florista na esquina? Ter o pão guardado, para que o possa recolher ao fim do dia? E o requeijão, as popias caseiras, a fruta e os legumes de que mais gosta, acompanhados de um sorriso e gratidão? E o atendimento caloroso naquele restaurante onde se arranja sempre mais uma mesa para si?  A lista seria longa, mas creio que amanhã todos iremos olhar para as nossas pessoas e bairros de forma diferente, permitindo-nos voltar a eles e ser parte deles.

 

Compre no comércio local. Ajude quem nunca se esquecerá de si.

 

 

Rita Palma Nascimento

 

 

4 comentários

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    Rita PN 14.11.2020

    Obrigado eu!!! Pelo desafio e pelo comentário, que daria para escrever novo artigo.


    Tendo gostado da citação "cada vez que vamos ao hiper estamos a matar o nosso posto de trabalho", pela reflexão que impõe, vou-me demorar um bocadinho aqui. Tal como tu, não concordo nem discordo. Todos são importantes se o equilíbrio entre uns e outros se mantiver. A questão é que durante muito tempo assistiu-se a um retrocesso à pré-história, ao instinto mais tribal, por partes dos grandes, no sentido em que "se não pintas o teu corpo como o meu, não te reconheço como pertencente à tribo e matarte-ei". Actualmente já tens duas grandes cadeias (se forem mais, as minhas desculpas, mas não chegaram ainda aqui ao burgo) que se desdobraram em pequenas mercearias de bairro. Isto porque perceberam que começava a existir a necessidade de voltar ao tradicional, ao comércio de proximidade, ao bairro... Muito por influência do boom imobiliário e turístico. Quem vinha de fora procurava o comércio tradicional e nas origens e pessoas se encantava. 
    Claro está, que estas novas mercearias administradas pelas grandes cadeias também vieram canabalizar o pequeno comerciante, concorrendo ainda mais directamente com ele. 
    Quero com isto dizer que, se por um lado, os grandes perceberam a oportunidade e a importância do regresso aos bairros e da existência do tradicional, por outro, implantaram-se quais ervas daninhas entre os pequenos. 


    Relativamente a postos de trabalho, poderão matar-se alguns e criar-se outros. A minha preocupação aqui, sentida na pele, é a exploração inegável dos funcionários. Por outro lado, a qualidade dos postos de trabalho que se criam. Muito raramente existem oportunidades de carreira, desenvolvimento de talentos, investimento no crescimento e desenvolvimento. Dá-se tudo o que se tem na espectativa quase utópica de um lugar efectivo, quando 90% das vezes tal nunca se verifica. São empresas cujo foco é o lucro e não a fixação de pessoas, tanto menos a procura de equilíbrio entre vida familiar e laboral, vencimentos justos, etc etc (vou-me calar por aqui, porque tinha muito para dizer e é melhor não). 
    A respeito da fuga aos impostos, todos fogem. Os grandes de maneira bem mais escandalosa. Os pequenos fogem para sobreviver, os grandes para continuarem a ser maiores. 
    Bom ponto a questão dos take away, talvez seja importante verificar quais as plataformas de entrega que maus cobram. Por norma, são as maiores e as que mais facilmente chegam até nós, seja no terreno, seja em publicidade e tecnologia. Mais uma vez, os pequenos não conseguem acompanhar. Ou caso o fizessem, aumentaram preços também. Mas é interessante ver a reinvenção dos tradicionais neste aspecto, aqui na terra, os próprios donos do negócio entregam em casa. Só existe uma empresa de entregas e enfim... Cada funcionário recebe 1€ por entrega. Posto isto, os próprios estabelecimentos sentem injustiça e não aderem. Fazem por si. 


    Já escrevi demais, mas rematas bem o teu comentário, qualquer localidade tem mais vida, história, tradição e arte quando o pequeno comércio permanece vivo. 
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    Robinson Kanes 14.11.2020

    Falarás do Auchan, do Amanhecer (JM) e do Bonjour (Sonae). Na verdade encontraram um bom nicho, como referes e bem. Juntar-lhe o Grupo Día dos Minipreços e o Lidl e tens mais dois. Na verdade, alguns são franchisados, dá uma maior independência mas, não sei até que ponto são tão amigos do franchisados. Desconheço a realidade, seria bom ter cá um empresário desse ramo de negócio.


    Tens razão no que dizes, embora em algumas cadeias existam de facto subidas na carreira, até porque tens inclusive "career management". Um caixeiro pode chegar a "team leader", chefe de secção, supervisor de área, e por aí adiante até chefe ou director de loja (regional até...) , sem falar no "corporate". Muitos não chegaram nem a um terço do caminho, mas isso também acontece no pequeno comércio. 


    Impostos: posso até perceber que se fuja para "sobreviver" mas uma fuga aos impostos é sempre uma fuga, seja de grandes seja de pequenos. Para mim, acho que o problema da exagerada fuga ao fisco, está na pesada carga fiscal e na pessoa de má fé que é a Autoridade Tributária(má fé na génese, até porque deu um salto qualitativo enorme). E é aqui que está o cerne, mas para alguns é ridículo falar nisso... Até os entendo. 


    O "take away" e o "home delivery" já não são novos só que a publicidade transformou isso numa coisa "cool" e puff... Ainda bem que muitos se têm adaptado e outros não o fazem porque também é sempre tudo tão complicado (mas um dia falamos nesse tema... Do complicar o simples) :-))) 


    Espero que, com as coisas mais calmas não cheguemos à conclusão que depois da gentrificação no apogeu de bolhas imobiliárias e turismo, não percamos a humanização das nossas cidades e onde o comércio tradicional tem um papel fundamental. 
    Obrigado, mais uma vez. 
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    Rita PN 14.11.2020

    Exacto, aqui só temos JM e Soane nessa categoria (ainda), mas era exatamente por aí. Bom, os franchisados acabam por ser bons no sentido de ter essa liberdade, se bem que sempre um pouco condicionada. Porém, dentro desses condicionalismos, não terão tantos apoios como os não franchisados. Mas se algum empresário do ramo estiver por aí, por favor que se defenda :-) 

    "um caixeiro pode chegar a "team leader", chefe de secção, supervisor de área, e por aí adiante até chefe ou director de loja (regional até...) , sem falar no "corporate". " - hmmm tenho 9 anos de retalho e do que vi e vivi... vou-me ficar por aqui, não me ficaria bem tecer comentários. Neste momento sou mais uma dos 400 e tal mil desempregados nacionais. Olhando para todo o meu percurso, sempre fui mais valorizada fora do que dentro. Inclusivamente, pelos de dentro, mas quando já estava fora. E como eu, tantos... sempre vi sair os melhores... e assim continua a acontecer. Boa notícia, quem precisar, neste momento tem vários talentos disponíveis!! É saber "escolher".


    Para mim, acho que o problema da exagerada fuga ao fisco, está na pesada carga fiscal e na pessoa de má fé que é a Autoridade Tributária" - absolutamente. E sendo crime fugir, entendo que fujam quando se trata de sobrevivência. A ganância já é outro patamar. Infelizmente o exemplo que nos chega de cima não é o melhor. Ou será. mas como exemplo a não seguir. 



    O ser complicado depende de inumeros factores. Para as pessoas mais antigas, todas a transformação exigida é extremamente complicada, porque exige uma dor de crescimento que já não conseguem suportar, nem têm capacidade para. Depois tens a compliação em termos económicos e de investimento, que é perfeitamente aceitável. E com esses sou extremamente empática e entendo bastante bem. Depois tens os complicados porque sim, porque é mais fácil não fazer e lamentar. E esses, claro, jamais se adptarão. Ou vamos nós ter com eles, ou jamais virão até nós. Na verdade, ainda me é necessário perceber essa filosofia de negócio. 


    Quando a desumanização nos vencer e dominar, não resta nada. Acredito que sempre que estamos próximos desse acontecimento, a própria natureza e os ciclos se encarregam da inflexão. Porém, nunca sem nos deixar  devida lição. 
    Somos demasiado teimosos :)
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