Crónica feminina
Sarin
Segunda-feira soube-se que no dia 2 de Outubro encontraram um recém-nascido abandonado no Aeroporto Internacional de Hamad, em Doha, no Catar. Para detectar a mãe, as mulheres presentes em pelo menos dez aviões foram sujeitas a exames ginecológicos invasivos. Sem ordem judicial, assim, apenas porque as autoridades aeroportuárias entenderam.
No Catar são proibidas as relações sexuais fora do casamento, e uma mulher solteira grávida, ainda que vítima de violação, pode ser julgada e condenada por tal crime.
As leis no Catar são as leis do Catar, e apenas podemos escolher entre ir ao Catar ou não ir ao Catar, denunciar ou calar. Assim como fez a FIFA ao escolher tal país para organizar o Mundial de Futebol 2022.
Segunda-Feira à noite, Catarina Martins foi entrevistada na TVI. Alexandre Guerreiro avaliou no Twitter a sua prestação, baseando-se em seis critérios - cinco estéticos, incluindo "buço" e "unhas", e um de conteúdo, "mensagem". Alexandre Guerreiro, comentador TVI, autor de pérolas como << Quando tínhamos a infelicidade de nos dirigirmos à nossa professora primária por "você", ela puxava instintivamente a culatra atrás, disparava uma bofetada e dizia "você é lá na tenda dos ciganos".>> a propósito de um indivíduo ter tratado um juiz por "você".
Todo um tratado de boas maneiras, este Alexandre Guerreiro, e certamente terá um capítulo sobre como dar uma no cravo e outra na ferradura sem riscar a unha nem ganhar coluna.
Terça-Feira surgiu mais um femicídio em contexto familiar. Um casal recém-separado. Um sentimento de posse ultrajado, o direito divino do homem contrariado pela vontade de uma mulher. Um homicídio consumado e um suicídio tentado, tudo por amor. Próprio de quem assim. Talvez ao homicida calhe um juiz atento à sua condição de macho abandonado e não se perca apenas uma vida mas também mais uma dose de confiança na Justiça.
Terça-Feira à tarde, Jerónimo de Sousa recebe merecida ovação pela resposta dada ao pirralho mal-educado. As redes reflectem o aplauso, e eu perplexa por ler feministas abordarem a situação com referência aos testículos de Jerónimo, como se a coragem nascesse nas gónadas masculinas.
Sou injusta, talvez contemplem todas as gónadas, o azar ou a cobardia atributos apenas das mulheres de maus ovários.
Estamos na manhã de quarta-feira e eu de maus fígados com esta semana. Que, na verdade, quase se indistingue das outras, hoje 10 dias passados sobre a morte de outra mulher às mãos do companheiro em Portugal.
Uma semana normal.
Entretanto, o Orçamento de Estado não apresenta grande reforço do SNS, da Segurança Social ou da Justiça, matérias circunstancialmente tuteladas, e bem, por mulheres. E Costa surpreende-se que a Esquerda não o apoie, ao OE. A mim surpreende-me que as gentes socialistas o apoiem, mas aguardemos as Especialidades. Por falar em especialidade, gostei de Rui Rio a dizer que poderia aprovar o OE mas, por ter Costa dito não precisar do PSD, então votaria contra. Sempre um pratinho, esta sopa-da-pedra a que chamam políticos.
Ah, não se chateiem com a aparente fuga ao tema, Crónica Feminina sempre teve secção de culinária - esperavam o quê?
E muito mais se poderia dizer deste Outubro Rosa. Como a mulher morta na berma da estrada lá longe em Cabo Delgado, a CPLP muda e queda. Ou a que é assassinada a cada 3 horas na África do Sul, média que teima em não descer.
Infelizmente, nada do que fique por dizer perderá validade, excepto talvez os nomes das mulheres menorizadas, violentadas, assassinadas. De bom grado tudo diria para que ninguém nunca mais. Mas não funciona assim.
Façamos o que pudermos para evitar mais um caso, um qualquer pequeno caso.
E fiquem bem.