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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

sardinhaSemlata

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28.01.21

De quem é a culpa?


Triptofano!

Num mundo binário, onde o certo e o errado, esses conceitos tão maravilhosamente subjectivos, fossem extremamente bem delineados e sem margem para segundas interpretações, quem tivesse comportamentos errados deveria ser punido por colocar a harmonia multinível onde se insere em perigo.

Sim, porque ao contrário do que muitos querem acreditar, as nossas acções estão sempre intimamente ligadas a repercussões na comunidade onde nos inserimos. Mesmo quando acreditamos que aquele cigarro ou aquela noite mal dormida só nos vai trazer impacto a nós, é muito frequente que toda uma rede de conexões mais ou menos esquecidas seja afectada. É a velha história da borboleta que bate as asas em Marrocos e causa uma Black Friday nos Estados Unidos.

Mas voltemos ao mundo binário do certo e do errado, que pode ser uma forma apetecível para muitos de lidar com a pandemia Covid e mandar todas as estratégias de promoção da saúde às urtigas.

Imaginem que a vossa vizinha velhota do andar de cima todo o santo dia vai ao Pingo Doce (atenção que este blogger ainda não tem estatuto para ser patrocinado por esta cadeia de supermercado - quanto mais ia fazer umas danças com argolinhas de chocolate em nome do Minipreço) comprar um papo-seco e dois iogurtes naturais sem açúcar, que a diabetes aguenta o papo-seco mas o açúcar do iogurte já é um ver se te avias.

Ora a vossa vizinha velhota numa das idas ao supermercado apanha o Covid. Comportamento Errado gritam vocês da vossa perspectiva binária das coisas, já com um chicote nas mãos para lhe dar umas bem dadas no lombo, que já que ela tem que ir sobrecarregar os serviços de saúde uma pessoa aproveita para lhe deixar mais algumas mazelas.

O problema é que esta visão simplista das coisas - e um bocadinho simplória às vezes, desculpem-me o desabafo - incide num nível micro, ignorando toda a dimensão subjacente ao problema.

Talvez a vossa vizinha saísse todos os dias para combater a solidão, depois de estar confinada há não sei quantos meses em casa sem receber a visita de ninguém. Talvez o comportamento errado tenha sido do Estado, por não providenciar uma rede de assistência contra o isolamento e obrigar esta cidadã a colocar-se em perigo de infecção por Covid para fugir do perigo da degradação psicológica das quatro paredes caiadas de silêncio. Talvez o comportamento errado seja na verdade vosso, vizinhos que sabiam que tinham alguém abandonado ao vazio e nada fizeram para proporcionar algum bem-estar emocional, refugiando-se sempre nas desculpas de falta de tempo ou demasiado cansaço.

É fácil apontar o dedo, acusar, encontrar bodes expiatórios. É mais difícil perceber que o comportamento humano é como um iceberg: o que está visível aos olhos dos outros é apenas uma parte muito pequena da sua verdadeira dimensão.

 

De quem é a culpa?

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