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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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Um espaço de pensamento livre.

25.06.24

E de um momento para o outro… a cunha, a narrativa e os impactos nos cidadãos.


Bruno

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Imagem: Bruno Nunes dos Santos (Pormenor) - Stephan Sinding "A Primavera da Vitória" - Musée des Beaux-Arts de Lyon

 

 

Quem manda é que faz as leis, e quem quiser fruir das leis deve estar com quem manda.

Leonardo Sciascia, in "O Dia da Coruja"

 

 

Não possuo televisão, mas pontualmente em casa de amigos e familiares, confesso que desvio o olhar e levanto as orelhas e foi isso que sucedeu este fim de semana. Também percebo, com todo o respeito que até tenho por alguns profissionais que nela trabalham e outros que conheço, que afinal não tenho perdido muito. 

 

Também não venho discorrer sobre quem tem culpa ou não num caso mediático e que envolve cunhas e quiçá alegadamente até possa roçar a corrupção. Na sociedade atual, e a portuguesa é um autêntico ecossistema, o recurso à cunha ou mais pomposamente ao networking (sem esquecer os apêndices), é uma prática comum. Se por um lado alguém sai beneficiado com estas práticas, são muitos os que saem injustiçados - por vezes até uma comunidade inteira. Os portugueses carecem de literacia ética e financeira para perceberem os reais impactos de muitas destas práticas.

 

Num país de gente séria, estas práticas levariam a uma falta de confiança nas instituições até porque a qualidade dos serviços acaba por ser posta em causa. A isto acrescem as desigualdades e até o desinvestimento nacional e estrangeiro. O nepotismo e o favoritismo destroem o mérito que a par do trabalho, são transformados em autênticos Farfarellos - até termos uma crise bem séria. Mas é também aí, em contraponto, que acabamos por matar a diversidade e a inclusão, algo com que agora acenamos, mesmo que seja no discurso ou por tentativas de  social washing

 

Na verdade, o recente caso do tratamento de umas gémeas é o exemplo de como um certo nepotismo e troca de favores pode ser perigoso, sobretudo se atentarmos à teia de envolvidos. Não deixa de ser chocante ver como actores primários e secundários em busca de poder e dividendos se movimentam nos bastidores. É inquietante chegar à conclusão que não é preciso esforço, basta estar nas redes certas. Podemos aceitar isso, mas aí mudemos o paradigma, abandonemos a hipocrisia e os discursos bonitos e sublinhemos que a escroqueria ou a falta de ética são o caminho a seguir. Parece difícil, e é... sobretudo quando até instituições públicas estabelecem negócios com organizações terroristas e de narcotraficantes no Brasil.

 

Retomando ao primeiro parágrafo, não é só na televisão, e não deixa de ser singular como literalmente de um dia para o outro muitos espaços informativos se enchem de indivíduos (os mesmos de sempre e alguns bem de sempre) a defender práticas pouco morais. Não sou uma pessoa de acreditar em conspirações e até em agendas, mas acredito em pressões e muito trabalho de comunicação para transformar um idiota num cidadão exemplar e um cidadão exemplar num idiota. Hoje estes espaços são o prémio pela incompetência em múltiplas áreas, um prémio pela gestão danosa de uma organização ou de um país - até porque em muitos países, alguns desses indivíduos até estariam encarcerados. Juntem-se a estes os especialistas que rapidamente (rápido de mais?) tiram pós-graduações e mestrados para poderem ter espaço mediático a falar deste ou daquele tema. Um aparte: Algumas pós-graduações e mestrados,  seriam outro tema daqueles. Sobretudo quando o ensino superior parece um daqueles lives onde se vendem produtos contrafeitos.

 

De um dia para o outro transformamos o pior dos casos ou dos indivíduos em vítimas inocentes. É muito fácil criar uma narrativa, e a grande vantagem é aquela que poderia ser encarada como uma desvantagem há duas décadas: hoje julgamo-nos todos muito informados e inteligentes. Esse é o sentimento mais fácil para o fértil terreno da manipulação, por incrível que pareça. Se a isto juntarmos o “todos pensam assim” e lhe adicionarmos uma pitada de "se não pensares assim vais ser excluído", temos a sopa de ratos perfeita. Se repararmos tem sido uma tendência que vinga na política como em tantas outras áreas - se assim não fosse, por exemplo, muitas das vedetas da música estavam na pobreza - e talvez não vedetas mas verdadeiros músicos não estivessem afastados dos palcos e das editoras.

 

Igualmente de um dia para o outro defende-se a cunha, defende-se a troca de favores, assume-se que já se praticaram tais actos múltiplas vezes - e assim, ao fim de tantas décadas, temos a resposta para a quantidade de inoperantes que pulula por tantos sectores). Este fim de semana até um indivíduo que nunca soube explicar uma queda aparatosa de um avião em Angola com alguns pertences menos lícitos e que nunca foi condenado por isso, culpa os profissionais de saúde que administraram determinado medicamento sob ordens superiores e não a teia de corrupção. 

 

Também é esse meio que vive em bolhas mediáticas e procura dar a ideia de que todos são assim, socorre-se do argumento que uma mãe pelos seus filhos tudo pode fazer (e esta não é uma mãe qualquer e muito menos carenciada, por muito que se queira esconder esse facto) e tudo é admissível. Esquecem-se contudo que existem instituições que devem controlar esse ímpeto e quando escrevo controlar é aceder ou bloquear. Por muito que tentemos o branqueamento, António Damásio já diz que as "boas acções são aquelas que não só produzem bons resultados para o indivíduo (...) mas que também não causam qualquer dano a outros indivíduos".

 

Este discurso é aquele que permite a anarquia, a justiça popular ou então uma justiça e uma acracia para o cidadão comum e uma impunidade total para algumas bolhas. É por isso que uma vítima não pode nem deve exercer a justiça sob o seu agressor - por muito que nos custe. É isto que nos separa do mundo de 1143. Por muito que me custe tenho de aceitar quando o oncologista me diz que por muito que se tente já não posso fazer mais nada pelo meu pai e mesmo que se pudesse, existem tantos outros à frente e com mais hipóteses de sobrevivência. Posso não aceitar, mas há uma instituição acima que me dá um banho de realidade.

 

Em resumo, as consequências destas práticas e de cada vez mais a sua defesa (defesa essa que acabará apenas por se refletir em determinadas pseudo-elites) leva à destruição da res publica e a atrasos consideráveis na sociedade e num país como um todo. É este o caminho que, à boa maneira italiana, retira a máfia das pequenas vilas (o que já não é bom) e a torna como uma prática com origem no Estado e que acaba por se enraizar no mais comum dos cidadãos - é essa máfia que em tantas localizações destruiu nações e indivíduos. É essa a máfia que muitos já combatem ferozmente, sobretudo em Itália, mas é essa a máfia que em Portugal parece que queremos instaurar.

 

É por isso necessário, cada vez mais, combater estas práticas e combater uma sociedade mais justa e equitativa também neste campo. Mas esse trabalho tem de ir para lá do discurso, tem de ser visto na prática, e para isso é preciso coragem, é fundamental abandonar o clientelismo e sobretudo ter também em conta que aqueles que mais usam a palavra equidade e justiça social, são também aqueles que menos a praticam. É preciso estar disposto a abdicar de muita coisa - embora entenda que num país que constantemente choraminga pobreza de alta cilindrada e com a alma dividida por sete divisões, seja extremamente difícil.

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Para ler: um livro ligeiro sobre o tema da máfia. De Enrica Ferrara, “Mia madre aveva una cinquecente gialla”. Um livro muito recente e que aborda a odisseia de Gina, uma jovem menina, que procura trazer o seu pai que fugiu de Nápoles e pelo meio vai apreender algumas das realidades de um mundo totalmente novo e pouco agradável.

Para ouvir: falando de Nápoles, dei comigo a pensar em San Giorgio a Cremano e em Massimo Troisi, que me levou a Procida e por sua vez à “Spiaggia del Postino” (nome oficial Spiaggia di Pozzo Vecchio). E daqui é um passo até Luis Bacalov e a uma banda sonora sublime e tão comovedora. Também o filme, “Il Postino”, é uma daqueles raras produções em que o cinema (Michael Radford) saiu melhor que a literatura - que me perdoe o senhor Skármeta.

Para assistir: em Esposende, mais precisamente em Forjães, a belíssima Quinta de Curvos, acolhe o concerto “Música Tradicional da Anatólia, com Telli Turnalar”. Uma noite de Verão daquelas, até porque a Quinta de Curvos tem também outros atractivos, nomeadamente o vinho.

Para comer e beber: a Casa de Pasto Maria de Perre é uma instituição em Viana do Castelo, onde o bacalhau é qualquer coisa e aquele leite creme… A acompanhar, um verde Quinta Villa Beatriz Loureiro merece a prova. Para lá da frescura, tem qualquer coisa que só encontramos por terras de Lanhoso.

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