Era uma vez, dois vizinhos.
JB
Esta estória era-me contada pelo meu avô Pedro.
O meu avô era uma pessoa muito culta, inteligente e humana: uma combinação rara que tive a sorte de conhecer e aproveitar. Era um ouvinte interessado e tinha sempre algo que me ajudava a encarar as coisas numa perspectiva diferente.
Um dia, a propósito de uma preocupação minha, contou-me esta estória:
" Era uma vez, dois vizinhos (Manel e Joaquim) que se davam muito mal. Eram vizinhos há anos e inimigos há outros tantos, já nem sabiam bem porque é que se odiavam ou como tudo tinha começado. Um dia, um dos vizinhos (Joaquim) acordou especialmente bem disposto. Pensou: - Epá, será que faz sentido estar há tanto tempo chateado com Manel? Já nem me lembro como começou, já dura há tanto tempo, moramos mesmo ao lado um do outro. Se calhar mais vale sermos amigos do que inimigos, somos adultos afinal de contas. Já sei! Logo quando me mudei para cá, pedi-lhe um cortador de relva emprestado; ele emprestou e disse que eu podia ficar com ele, eu disse que não queria mas na realidade nunca o devolvi. Vou aproveitar para devolver e pode ser que sirva para fazer as pazes. É um bom pretexto, é mesmo isso.
Tirou o pó do cortador de relva, juntou os cabos e preparou-se para ir a casa do vizinho Manel.
As duas casas eram separadas por uma cerca de madeira e para ir até à casa do Manel, Joaquim tinha que atravessar uma pequena estrada de pedra que ia até à porta do vizinho.
Assim que se pôs a caminho, o Joaquim começou a pensar: - Espero que ele não comece logo a refilar comigo, o cortador de relva está todo velho e enferrujado, mas já não estava grande coisa quando ele me entregou. Além disso uma vez o meu filho chutou uma bola de futebol para o quintal dele e ele nunca devolveu. Ele que me diga alguma coisa, ah! Eu aqui cheio de boas intenções e ele que experimente vir implicar. Nunca esvazia o lixo, um cheiro terrível na vizinhança e ainda se vai fazer difícil, ele que experimente. Um calor terrível e eu, sem ele me pedir nada, estou a carregar isto até casa dele para depois levar com bocas e insultos?! Ele que se atreva. Nem lhe vou dar hipótese de refilar. Mas eu já o conheço: vai dizer que fui eu que estraguei, depois vai dizer que...
Entretanto, no meio daqueles pensamentos cada vez mais raivosos, o Joaquim sem dar por isso já está à porta de casa do Manel, que nesse dia, por acaso, também tinha acordado bem disposto, e vendo o Joaquim a chegar abre a porta e diz-lhe um amigável bom dia.
O Joaquim, que ia absorto nos seus já furiosos pensamentos, mal vê o Manel à porta, raivoso com a discussão fictícia na sua cabeça, sem sequer ouvir o bom dia que lhe foi dirigido, pega no cortador de relva, atira-o para os pés do vizinho e grita:
- Sabe que mais? Meta-o no c¥!
Vira costas e vai-se embora."
Qual é a 'moral' da estória? Alguém arrisca?
JB