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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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16.04.24

Iémen: O impacto de uma guerra na pérola do Médio Oriente


Bruno

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Imagem: Bruno Nunes dos Santos

 

O céu estrelado não varia, seja qual for o lugar onde estejamos.

Yukio Mishima, in "Vida à Venda"

 

Nos últimos anos, a guerra no Iémen tem vindo a perder a atenção internacional e consequentemente a imagem do seu impacto devastador. O que em tempos foi um dos mais belos países árabes, conhecido pelo inigualável património cultural e paisagens deslumbrantes, tornou-se agora um campo de batalha de destruição e desespero. O conflito em curso no Iémen custa milhares de vidas e tornou já este frágil país numa autêntica catástrofe humanitária. Também o futuro, outrora promissor, do país foi destruído, deixando para trás um rasto de sofrimento e desespero. A violência contínua e a instabilidade política conduziram a uma grave crise humanitária, deixando milhões de iemenitas inocentes a necessitar urgentemente de assistência. Tudo no país onde na fronteira com os sauditas as mulheres dançam de uma forma mágica e sem igual.

 

Este mais recente conflito pode ser associado às mobilizações da primavera Árabe. Um movimento (falhado?) generalizado em prol da democracia e da reforma política que levou à destituição do líder autocrático do Iémen, Ali Abdullah Saleh. Contudo, a transição para um novo governo não foi nada pacífica, com lutas pelo poder entre várias facções que disputavam o controlo do país. Outro dos factores que mais contribuiu para a guerra no Iémen foi a divisão sectária do país. O Iémen é predominantemente sunita, mas os rebeldes Houthi, que pertencem à seita Zaidi Shia, sentindo-se marginalizados, em 2014, conquistaram a capital, Sanaa, exacerbando as tensões existentes e conduzindo, em última análise, a um confronto violento com o governo internacionalmente reconhecido. 

 

A intervenção de potências regionais como a Arábia Saudita e o Irão que têm estado envolvidas numa guerra por procuração no Iémen, apoiando partes antagónicas agrava ainda mais este conflito. A Arábia Saudita, preocupada com a crescente influência do Irão na região, lançou uma intervenção militar em 2015 para restaurar o governo iemenita deposto. Esta intervenção apenas fez aumentar a violência e exacerbou a crise humanitária. A guerra do Iémen é um conflito complexo com múltiplas causas profundas e nas quais reconheço não ter capacidade para ir mais longe pois o que me chega são apenas escassos relatos na primeira pessoa.

 

Esta pequena introdução parece-me necessária para chegar ao cerne da questão: a crise humanitária que em tempos espoletou um interessante debate onde me vi envolvido. Com milhões de pessoas afectadas, há muito que a situação está fora de controlo. A guerra provocou deslocações generalizadas, insegurança alimentar e acesso limitado aos cuidados de saúde. Os poucos relatos que existem em termos de comunicação mediática acabam por esconder uma dura realidade que contempla a deslocação de milhões de pessoas que se encontram sem acesso a bens de primeira necessidade, como água potável, alimentos e abrigo. O aumento dramático das taxas de subnutrição, sobretudo entre as crianças é assustador e aliás foi esse o tema do debate anteriormente mencionado. 


A destruição de infra-estruturas, incluindo hospitais, escolas e estradas, dificultou ainda mais a prestação de ajuda e impediu a capacidade de recuperação do país. O ciclo vicioso de pobreza e conflito deixou muitos iemenitas presos num estado de desespero, incapazes de escapar às terríveis condições em que se encontram. Paralelamente, a guerra no Iémen provocou uma crise alimentar e de saúde generalizada. Uma combinação de colapso económico, inflação e bloqueios aos portos fez disparar os preços dos alimentos. São cerca de 20 milhões os iemenitas que sofrem de insegurança alimentar, e muitos os milhões em risco de morrer de fome. O impacto nas crianças é particularmente trágico. Perderam-se milhares de vidas inocentes, enquanto inúmeras outras ficaram gravemente subnutridas e sem acesso a qualquer tipo de educação. O trauma sofrido por estes jovens terá efeitos duradouros no futuro do país, privando-os de uma oportunidade de vida com o mínimo de dignidade. A guerra do Iémen não só destruiu o presente como também destruiu qualquer esperança de um futuro próspero. Mais um oásis destruído e uma nação perdida, à semelhança de tantas outras!

 

É imprescindível que para lá que para lá dos esforços para resolver a crise humanitária se intensifiquem os esforços diplomáticos para se chegar a uma resolução pacífica - agora mais complexos com o conflito em Gaza e com um Médio-Oriente em chamas. Com o mundo focado no acessório e com tantos conflitos em mãos, com um povo árabe que é historicamente em situações de conflito que tende a ser mais unido mas parece cada vez mais distante, somos tentados a pensar que só quando morrer o último cidadão iemenita é que a situação ficará sanada.

 

Não obstante, um povo bravo como este não baixa os braços e particularmente as mulheres são quem toma muitas vezes a iniciativa para pelo menos acalentar a esperança. Criam cooperativas que produzem e vendem produtos artesanais; tornam-se embaixadoras na defesa dos Direitos Humanos no país; desenvolvem estratégias e colocam as mesmas em prática no que toca à criação de escolas e pequenas clínicas de campanha; desenvolvem metodologias de modo a combater a escassez de alimento para o gado (por incrível que pareça, talvez o maior problema em termos de fome e mortalidade infantil) que por sua vez permite a produção de alimentos e leite - o leite tão essencial e cuja escassez aumenta diariamente o número de crianças mortas. Esta coragem e determinação, espero que um dia possam ser ensinadas nas nossas escolas, informatizadas e tão preocupadas com uma pequena parte do mundo e com ideias que ultrapassam o que deveria ser a educação efetivamente. Procura-se criar ideólogos e mentes abertas à receção (mas não ao espírito crítico) mas não nos estamos a esforçar por criar cidadãos.

 

E podemos agora indagar acerca do que podemos fazer... Podemos fazer mais do que pensamos e até ir para lá do "simples donativo". Podemos criar awareness (hoje é tão fácil - e se o fazemos para tanta inutilidade, porque é que...), partilhar várias histórias, estatísticas e até fazer algo mais à distância incentivando, sobretudo os nossos deputados europeus a guardarem duas linhas da agenda para estes temas. Protestamos na rua porque os carros antigos têm de pagar impostos como os outros, porque não - inclusive no conforto do sofá - fazer uma coisa muito simples como partilhar um post sobre esta guerra? Na verdade o Iémen não está tão longe e até nos pesa diariamente na carteira, sobretudo em termos da cadeia logística internacional ou até no fomento e fortalecimento de grupos extremistas que já mostraram ser capazes de virar o nosso mundo do avesso - sim, afeta-nos.

 

Ficam as palavras de quem (uma mulher entre muitas outras mulheres iemenitas) ao assistir à queda das instituições e consequente aumento do risco de violência doméstica, assédio sexual e violação entre mais de 3 milhões de mulheres e crianças, não se cansa de lutar. Esta mulher quando  questionada do porquê de trazer crianças para uma concentração pelos Direitos Humanos em Aden - e onde cada projétil tem o nome de alguém - disse fazer questão de que os filhos compreendessem os sacrifícios necessários para ter liberdade e igualdade de modo a que estes jamais tomassem estes dois direitos por garantidos... Mesmo que todos morressem naquele momento. E na verdade, já Focault dizia que onde há poder (entenda-se poder coercivo) há sempre resistência. No Iémen, como em tantas outras localizações, são elas quem estão a fazer a mudança.

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Para ler: de Mohammad Abdul-Wali, o livro "They Die Strangers". Um bom exemplo das dificuldades de ser iemenita. Um conjunto de histórias que abordam o exílio, as dificuldades das mulheres e das crianças naquele país, bem como a condição e opressão aí sentidas.  recolhidas após a morte do autor num acidente de aviação

Para ouvir: o album que me acompanhou na escrita deste post. Say it Ain't So de Murray Head e lançado em 1975. Destaco "Say it Ain't So, Joe" para acompanhar numa noite como a de hoje. Ter irmãs com idade para serem nossas mães faz-nos isto...

Para assistir: nas deslocações frequentes a Norte, tenho vindo a ficar adepto da Quinta da Caverneira, na Maia. Este sábado não irei dispensar "Paraíso" de Imaculada Alvear e representado pela Teatro del Astillero de Madrid

Para comer e beber: e quem vai à Maia, primeiro janta (ou até o faz depois) no Tia Isabel. Gosto de lá ir e pronto. A "Alheira de Caça com Grelos" é um excelente começo antes de entrar no "Camarão Frito com Arroz de Gambas também Frito" e terminar com  as "Canillas com Recheio de Leite Creme". Junto à Rodovia, bem perto do Braga Parque. Para beber, o Lanyoso Branco, é um vinho verde da Póvoa de Lanhoso. Um daqueles néctares que nos acompanha um dia inteiro à mesa ou numa boa conversa naqueles dias quentes. Sou suspeito nesta sugestão, mas na verdade é qualquer coisa. Tenho cá para mim que não acabo a noite sem...