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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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10.09.24

In Cerca di Quel Rumore a Procida... (continuação)


Bruno

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©Bruno Nunes dos Santos

 

Talvez a vida seja isso mesmo, ou acabe por ser na maior parte das vezes: um ensaio para um representação final para mudar o rumo das nossas vidas.

Arundhati Roy, in "O Ministério da Felicidade Suprema"

 

O polvo e o atum na “Locanda del Postino”, o foco do almoço daquele dia, tiveram de ficar para mais tarde, pois acabámos num local que não lembra a ninguém a comer pagello, bem longe das famosas marinas da ilha. Ainda hoje acredito que tal espaço não era sequer um estabelecimento comercial.

 

Agora sim, não poderíamos desmobilizar do objetivo principal: a “Spiaggia del Pozzo Vecchio”, a famosa “Spiaggia del Postino”. Uma longa caminhada levou-nos até àquela areia e a ausência de gentes na praia, apenas num pequeno bar de praia e nas águas em dois veleiros, deu-nos todo o tempo do mundo para escutar a maviosa voz do mar. Finalmente, aquelas pequenas ondas que testemunharam o encontro e espoletaram a paixão de Mario e Beatrice, emitiam o som inicial do filme. Um momento soberbo, inigualável e só embargado muitos minutos mais tarde pelos ferrys que regressaram entretanto de Ischia.

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Damos por nós a repetir em uníssono uma das falas mais famosas da história do cinema… “É una metafora!”. Procuramos online algumas cenas do filme, mas a rede é quase nula (e ainda bem), pelo que, olhando a pequena ondulação imaginamos as mesmas numa viagem entre Pozzo Vecchio e “Pollara”.

 

O tempo agora oscila entre pequenas abertas e o sol fechado sobre o cinzento das nuvens… É talvez o momento ideal para mergulhar nas águas daquela enseada e apreciar a vista do lado de lá. É o momento de voltar também à areia e apreciar toda aquela maravilha que o sul de Itália nos apresenta e também pensar que a nossa permanência por ali também já não será por muito mais tempo, pois também à boa maneira italiana, não tardará a cair uma enxurrada.

 

O momento da torrente chegou e fugimos do areal, não sem antes voltar costas e acenar a Mario, Pablo e Beatrice. Esperava-nos agora uma longa caminhada que acabaria com os já falados Taralli e as azeitonas gigantes com um Spritz excelentemente servido. É aí que entre meia-dúzia de turistas e alguns habitantes, rodeados de redes e embarcações, recordamos que a história não é perfeita e lembramos a morte de Mario e daquele que lhe deu vida, Troisi. É uma história interessante por tudo o que envolveu a rodagem do filme e os últimos dias do actor.

 

Volto a olhar a prisão, bem lá no alto da colina… Volto a lembrar-me de “Papillon” e sobretudo daquela praça central que terá sido um dos locais mais interessantes que pisei, não me perguntem porquê. Volto a querer apreciar a ilha bem lá de cima, se bem que é possível que não consiga fazê-lo se o Nuncio estiver por perto e nos rapte para mais um convívio. O Nuncio é verdadeiro, o tipo simpático e apaixonado por uma boa conversa, rebelde mas não louco - uma espécie de Zorba do Mediterrâneo Ocidental.

 

O sol despede-se… A ilha recolhe-se agora e os últimos ferrys partem em direcção a Nápoles. A noite no golfo ilumina-se de estrelas e entre elas, com toda a certeza, andará uma alma boa como a do ingénuo Mario. Brilhará por lá também a alma daquele que o eternizou, o grande Massimo Troisi. A nós, resta-nos esperar pelo polvo e pelo atum e por uma certa vontade em voltar a Pozzo Vecchio... Agora de noite, e quiçá possamos apreciar duas personagens de ficção a usufruir do mundo dos humanos…

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Para ouvir: ainda insistindo em Bacalov, um dos temas deveras mais interessantes deste Argentino que mostra bem as suas origens nas peças que compôs. Deixo "Seduzione"... Quem tiver tempo para ouvir vai perceber. Uma daquelas escutas para ouvir à varanda em boa companhia e com uns braços sedutores a envolverem-nos...

Para ler: uma leitura em curso que muito me tem sugado pela sua actualidade e realidade acerca da brutalidade da guerra que, na segunda década do século XX e sem grandes tratados vigentes, parecia ter mais regras que as actuais... de Fritz von Unruh, "O Caminho do Sacrifício" onde fico com a sensação que o desejo de Heinz, de ver o futuro, talvez se desvanecesse ao deparar-se com a nossa realidade.

Para apreciar: ainda faltam uns dias, mas temo que as férias que se avizinham possam fazer-me esquecer de referir este evento. O LAFF - Lisbon Arab Film Festival é um daqueles eventos que não se podem perder. O difícil, está em decidir quais os filmes a ver, o cartaz é de uma excelência daquelas... Parabéns à Culturgest por albergar este acontecimento.