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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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29.05.20

Morte à tolerância


JB


  Sou contra a tolerância.

  Argumento que a tolerância é a razão de muitos males. 
  Não foi certamente a tolerância a culpada de um polícia, nos Estados Unidos (where else?) esmagar o pescoço de um cidadão durante vários minutos, enquanto era filmado e ainda se ouviam pedidos de socorro. Não foi a tolerância que provocou a morte desse cidadão de origem africana. Não foi a tolerância a responsável pela sequência dantesca de imagens, em que um psicopata, com as mãos nos bolsos (que para mim, por algum motivo, torna tudo mais chocante) e com o ar mais tranquilo do mundo, aplica uma pressão constante e assassina  em George Floyd. 
  Não posso garantir que foi racismo, assim como existem muitas outras coisas igualmente óbvias que não posso garantir, mas para mim isso não é importante, foi um assassinio a sangue frio e que deixará ondas de choque durante muito tempo. Ondas de choque que já se sentem, discussões sobre a alegada  resistência da vítima,  virem à tona muitos vídeos onde os polícias são ensinados essa 'técnica de esmagar pescoços', mais uma vez, cada um veste a camisola do seu clube e vai para o respetivo lado da bancada mandar bitaites. 

  O que pensarão, os vizinhos, os amigos, os sobrinhos, todos os de etnia africana que conheciam o George Floyd, o medo que devem sentir, a raiva e a frustração. 
  A esses a grande promessa da sociedade é, 'nós vamos melhorar, seremos mais tolerantes!'

  Odeio a palavra tolerância, afasta-nos, torna-nos menos empáticos. Como ter empatia por alguém que me pedem para tolerar?

 Detestável.

 Quando foi a última vez caro leitor, que recebeu um convite para ir a qualquer lado e a pessoa que o convidou disse, 'bora ir ao café central? Estão lá uns primos meus, mas podes vir na boa que eles toleram-te'. Ou imagine que é calvo e antes de entrar no El Corte Inglês vê um cartaz 'toleramos carecas, bem vindo'.

Alguém tem a ambição de ser 'tolerado'?  

Será que pode haver palavra mais paternalista (no mau sentido)mais carregada de superioridade e denotadora de ausência de empatia? Não me ocorre nenhuma. 
  Eu tolero a música alta do vizinho, a mau cheiro do pinheiro  do taxista pendurado no retrovisor e as embirrações dos meus filhos. Tolero coisas, que considero desagradáveis, não pessoas.

  Menos tolerância, mais empatia. Em vez de olhar para os outros com o pensamento pretensioso de 'sou um excelente gajo, tolero toda a gente', vamos olhar pelo outro, tanto no sentido literal como figurado. No sentido literal como sugeriu outra sardinha deste cardume no dia de ontem  (props triptofano)  denunciando, filmando e até intervindo se for caso disso. No sentido figurado desafio eu, pelo olhar do outro, imaginar durante uns segundos apenas, estarmos no lugar daquele homem que certamente nunca quis ser tolerado, só queria que o ouvissem e que o deixassem respirar.
  Houve um inominável ser, que provavelmente diria de si mesmo que tolera muito bem pretos e ciganos, um polícia cujo o lema é 'to protect and serve' que não o deixou, não o ouviu.  Como não ter empatia por alguém que pede para respirar? 

Morte à tolerância.

 

JB


  
  

 

 

 

7 comentários

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    JB 29.05.2020

    Sarin bem vinda de volta!
    Li o artigo, as palavras contam, esse preciosismo do ‘ser tolerante não é o mesmo que tolerar’, escapa-me. Por mim abolia a palavra e pronto, vem carregada de pretenciosismo e tudo o que é contrário à empatia. Li alguns comentários do seu post também, acho que a tolerância vai mais ao encontro de quem se acha uma cultura superior e como tal tolera os selvagens. Não discordamos muito, infelizmente a Sarin não partilha da minha embirração total com a palavra. 
     Deixo aqui um comentário de um amigo meu que me enviou a propósito deste artigo sobre as origens da palavra:
    “A palavra «tolerância» vem do latim e significa «suportar/aguentar» mas chegou-nos pelo discurso filosófico-religioso com John Locke passando para o discurso jurídico. Locke usa a expressão (tolerance) para criar uma garantia de liberdade religiosa propondo que um cristão pode se opor às leis que vão contra a sua religião, mas não se pode opor a outras formas de religião. O conceito actual chega-nos de Habermass que - simplificando - afirma que numa sociedade plural, o  conceito de tolerância é o reconhecimento de cada um e das diferenças existentes: surge a ideia de subjectividade que passa a ser fulcral no mundo pós-moderno. Quando se diz «eu tolero a música alta do vizinho» estamos a usar a expressão no seu sentido comum, próximo do étimo latino; quando dizemos «não se pode tolerar abusos policiais», usamos o termo no seu sentido filosófico-jurídico.
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    Sarin 30.05.2020

    Esta justificação dada pelo teu amigo explica a minha separação entre ser tolerante (político-religioso) e tolerar (comum) :)
    As palavras importam, sim, e muito. Por isso o contexto ser também importante - há muito quem fale em tolerância eivando-a de superioridade, sim, tornando a tolerância intolerável; mas há quem a use no sentido mais lato de convivência - o sentido político-religioso, portanto.
    Não concordo com a empatia neste contexto: empatia pressupõe sentir o que sente o outro, e que raio de legitimação é essa que depende dos sentidos? :)
    A empatia é importante, claro, mas para nos percebermos melhor. Nesta questão não há que sentir o que sente o outro ou tentar perceber a mensagem dos seus olhos, há apenas que saber/sentir/aceitar/perceber que o outro tem direito ao seu espaço, à sua dignidade, à sua vida. Existo, logo Sou. Uma questão de princípio, não de empatia ou tolerância.
    A tolerância aplica-se a atitudes, não a pessoas, concordo: sou tolerante porque convivo com hábitos distintos de culturas distintas, não porque "até tenho um amigo preto" :)))
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    JB 30.05.2020

    Cara Sarin, 
    Não percebi bem está frase\pergunta: “ Não concordo com a empatia neste contexto: empatia pressupõe sentir o que sente o outro, e que raio de legitimação é essa que depende dos sentidos? :)”
    Pode reformular?

    As palavras importam na medida em que as entendemos, e creio que o entendimento da palavra é aquele que me refiro é acho mesmo que provoca um distanciamento imediato, acho que tem um efeito perverso e sou contra. Nesse contexto de que a Sarin fala, de tolerar as diferenças culturais, (uso de jihab, kilts ou o que for) depende, tá,bem não aprecio a palavra e provavelmente discordaríamos naquilo que é ‘toleravel’ ou não. De qualquer forma, não é disso que falo.
    Se a Sarin acha que nesta questão a empatia não é para aqui chamada, nem a tolerância, eu discordo. O outro de facto tem direito à sua liberdade e espaço, a polícia tem o direito de intervir nessa liberdade e nesse espaço se as circunstâncias forem essas. Aqui não se trata disso, isto foi um assassínio de um ser humano a outro através de uma pressão constante de vários minutos de um joelho num pescoço. Claro que houve violação de direitos de George Floyd, mas provavelmente haverão muitas outras violações de direitos menos chocantes e trágicas. O que me impressionou foi a ausência de empatia e não terem desrespeitado o protocolo.
    Beijinhos e obrigado 
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    JB 01.06.2020

    Obrigado pelo teu comentário Sarin, beijinho grande.
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    Sarin 03.06.2020

    Reformulando: os Direitos Humanos não são questão de empatia mas de princípio. Talvez te tenhas debruçado sobre a questão individual, a insensibilidade daqueles cidadãos naquela situação (de manietação e subjugação do cidadão George Floyd), mas eu fui ao âmago - um agente da lei, mais do que empatia, tem de ter treino e tem de saber-se fiscalizado no exercício das suas funções, nomeadamente no que ao emprego de força letal respeita. Este treino, esta resposta que defendo não pode depender de empatias, antes tem de obedecer a uma cultura de respeito pelos cidadãos.
    Todo o meu comentário se centrou nesta diferença de análise - eu vi o geral, não a situação per si. Aliás, não vi os vídeos, e talvez também por isso (e por não estar bem)  nem me tenha apercebido de que particularizavas.
    Todo o meu comentário, excepto a parte sobre ser tolerante vs tolerar ;) Um dia voltaremos a esta questão das palavras homónimas :)))
    Desculpa só agora responder. Beijocas, e boa noite
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    JB 04.06.2020

    Posso presumir, que no teu entender, os agentes da lei ideias seriam robôs?
    Bjs
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