Noor Nassar - Porque a Fatalidade não tem de nos Tornar Invisíveis
Bruno
WAFA - Palestine News & Info Agency
In war, death is blind. It never stops to look at its victims
Khalid Khalifa, in "Death is Hard Work"
Nota prévia: mesmo condenando os acontecimentos do dia 07 de Outubro de 2023 e qualquer acto terrorista, são muitos os que me dizem que só tenho a perder com estes textos. Já o senti aqui e numa rede social - mas afinal andamos neste mundo por algum motivo, e esse motivo não é limitar aquilo em que acreditamos, mesmo que nos coloque mais euros na carteira ou nos dê mais visibilidade.
Noor Nassar é uma palestiniana, trainee em advocacia, que face ao conflito na Faixa de Gaza, não conseguiu parar as ondas, mas aprendeu a surfar, um pouco como defenderia o professor Kabat-Zinn.
Nassar desenvolveu uma escola móvel. Uma escola onde as rodas são os seus pés e a bagageira as costas. Numa região onde mais de 75% das escolas foram destruídas (sim, os palcos da educação…) é meritório encarar esta vontade em continuar, em não deixar que, como a própria Noor refere, as crianças fiquem enferrujadas, que não percam a sua infância e que não se esqueçam quem são. Já foram tantas as gerações perdidas, esta não deverá ser mais uma.
A perda desta geração não só poderá causar um vazio reivindicativo mas também uma ausência de empowerment que já sabemos como acaba. Um povo sem bases educacionais é um povo altamente vulnerável: é aí que está a génese da Schools Without Borders. Um povo sem educação possivelmente entra nos caminhos do fundamentalismo e facilmente se deixa abater.
Também são acções como as de Nassar, e os testemunhos das crianças são o melhor eco, que levam a que recordemos a importância da educação - seria importante que muitos, mesmo por cá, desde professores, passando por pais e filhos, pudessem compreender como esta é tão importante para qualquer criança e até para os adultos.
É também numa época de tantos activismos mediáticos, que à semelhança de outras localizações (o Irão é um dos maiores exemplos) também na Palestina vemos o poder das mulheres, um poder que é natural e que em muitos casos envergonha os homens. Sem alaridos, sem protagonismos, com acções e sem criar divisões entre homens e mulheres. Aliás, na grande maioria das situações são as mulheres que provocam os homens para que estes se juntem a estas e também façam algo. Um aparte, muito do que é hoje a Alemanha deve-se ao papel das mulheres no pós-guerra, uma força fundamental face a homens destruídos e desmoralizados pelos horrores do conflito.
É graças a Noor Nassar que muito provavelmente muitas destas crianças irão de uma forma menos dura ultrapassar a morte dos seus pais e da restante família, é também muito por culpa de Nassar que muitas destas crianças não irão ceder ao ódio contra o outro lado - pois infelizmente em Israel e na Palestina, não raras vezes se ensina, e oficialmente, a odiar o vizinho do lado.
É esse combate ao ódio, esse empowerment, que poderá daqui a uns anos (se uma bomba não cair no sítio errado) transformar estas crianças em líderes e verdadeiros embaixadores civis não só da Palestina mas também da paz. Homens e mulheres capazes de vencer os constrangimentos que a capacidade bélica e mediática de outros, desde há mais de 100 anos, tem conseguido impor. Serão também estas crianças, que não deixadas cair no ódio e capacitadas para a cidadania poderão dialogar com o outro lado, se bem que do outro lado também é preciso um longo trabalho de capacitação - não tanto de empowerment, mas de capacitação para estas questões, pois os extremos coabitam dos dois lados da fronteira - e infelizmente, o rol de horrores ultimamente tem pendido para mais um lado que outro onde até prisioneiros são vestidos com fardas que têm câmeras e enviados para a frente como escudos humanos.
Finalmente, e sem pensar muito no futuro, também são estas iniciativas que, por alguns momentos, permitem a estas crianças ser efetivamente crianças. Provavelmente, esse será o seu maior ativo para esse mesmo futuro.
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Para ler: um livro genial de Karel Čapek, "A Fábrica do Absoluto". Ao ler este livro de Čapek ficamos com a sensação de que alguém que viveu os primeiros 30 anos do século XX estaria tão a par da realidade actual.
Para ouvir: penso que nunca falei deste senhor aqui, o que é lamentável, mas Freddie de Tommaso é uma daquelas vozes que facilmente se poderia colocar bem perto de um senhor como Pavarotti. Tenho acompanhado o percurso desde que ainda era um "desconhecido" - hoje é uma referência ao nível de grandes tenores como Kaufmann ou Polenzani entre tantas vedetas. Fica o inesquecível "Addio, sogni di gloria" de Carlo Innocenzi (fenomenal) e "Che Galida Manina" da minha querida "La Bohème" e do meu querido Puccini.
Para assistir: esta semana, no Theatro Circo, em Braga, lá estarei para o "Endgame" de Beckett encenado por Sílvia Brito. Também em Braga, a partir de dia 17, o MIT24. O MIT 24 é um evento que se prolongará por vários dias e com grandes encenações protagonizadas por múltiplas companhias europeias. É um dos acontecimentos que para mim, viciado em teatro, tem de merecer várias visitas - e depois do Festival de Almada, não poderia desejar melhor. A não perder.
Para comer e beber: um regresso a Oia, desta vez à Casa Henriqueta. Boa comida galega, o "Arroz de Langostinos e Zamburiñas" é qualquer coisa. Depois é a aposta no peixe fresco onde o Rodaballo é rei. Não é tão vistoso como o da concorrência na rua abaixo, mas o sabor derruba todas as reticências que se possam levantar - divinal. Para beber, um O Rosal, o Terras Gauda 2023. Não é um típico O Rosal leve, mas é de uma frescura soberba.