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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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09.09.21

O Algoritmo


The Travellight World

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A tecnologia está constantemente a criar novos desafios ao mundo do trabalho, e as questões que hoje nos coloca vão muito além da mecanização de tarefas. Abrangem áreas, aparentemente insuspeitas, como a procura de emprego.

À primeira vista, a contratação e o recrutamento podem parecer trabalhos pouco prováveis ​​de serem automatizados, uma vez que todo o processo parece necessitar de habilidades humanas que faltam aos computadores — como conversar e entender comportamentos sociais —, mas a verdade é que etapas básicas como a tradicional entrevista de emprego cara a cara, um dos pilares da avaliação de candidaturas, parece estar em vias de extinção.

Softwares que prometem fazer o trabalho de recrutamento de forma mais eficaz e eficiente não são novidade. Existem há anos e garantem ser melhores do que o processo humano, isto porque, defendem as empresas que desenvolvem estes programas, as pessoas têm preconceitos e preferências e tomam decisões de contratação, muitas vezes inconscientemente, com base em semelhanças que nada têm a ver com os requisitos do trabalho, valorizando por exemplo, um candidato que tem um amigo em comum, estudou na mesma universidade ou gosta do mesmo clube de futebol... Não podemos dizer que isto não acontece mais vezes do que seria desejável, certo?
Usando um algoritmo, supostamente, a contratação torna-se mais rápida, menos cara, e os dados podem levar os recrutadores a pessoas mais qualificadas, que correspondam melhor ao perfil pretendido pelas empresas. Também acaba por criar um local de trabalho mais diversificado porque o software depende de dados para apresentar candidatos e combina as suas habilidades com os requisitos do trabalho, livre de todos os preconceitos humanos.

… Mas será mesmo assim?

Ainda há uns dias li um artigo da jornalista Pilita Clark que contava o caso caricato de um empresário que resolveu contratar um funcionário com base na pontuação que o candidato tinha na Uber (os motoristas pontuam os passageiros de 1 a 5)
A sua decisão tinha por base a ideia de que “se alguém trata estranhos com respeito, também tratará bem os seus clientes e colegas de trabalho”.

Rapidamente porém, este empregador descobriu que o seu plano tinha falhas: Ao chamar os candidatos para entrevista, algumas mulheres explicaram-lhe que as suas pontuações caíram depois de rejeitarem os avanços dos motoristas do Uber. Homens que viviam em bairros complicados sofreram o mesmo destino depois de insistirem com os motoristas para serem deixados perto da porta de sua casa. Depois para sua surpresa, ele descobriu que a sua assistente preferida e melhor funcionária, tinha a pontuação mais baixa que ele já tinha visto — Acontece que ela quase não usava Uber e da única vez, que pediu um, houve algum tipo de confusão e ela não encontrou o carro, o que explicava a baixa pontuação.

Conclusão: A análise humana continuou a ser absolutamente necessária no processo de escolha do candidato certo.

No entanto, as empresas de recrutamento estão a usar cada vez mais a IA (inteligência artificial) para fazer a primeira ronda de cortes e determinar quais são os candidatos mais adequados a um emprego. Ao usar o algoritmo como uma espécie de “porteiro”, estas ferramentas podem efetivamente reduzir o esforço e o tempo despendido numa contratação, mas os críticos argumentam que tais sistemas quando levados “longe demais” podem aumentar o preconceito, falta de responsabilidade e transparência e não têm garantia de serem precisos.

Por exemplo, a empresa americana HireVue, chegou a vender uma plataforma de vídeo para entrevistas de emprego que utilizava IA para avaliar os candidatos e, segundo ela, prever a sua probabilidade de sucesso em determinado cargo. A empresa dizia usar psicólogos para ajudar a desenvolver algoritmos de avaliação personalizados que refletiam as características ideais para uma função específica para a qual um cliente queria contratar. O algoritmo analisava como os candidatos respondiam a perguntas pré-selecionadas numa entrevista de vídeo gravada, classificando as suas respostas verbais e, em alguns casos, os seus movimentos faciais.
A HireVue abandonou a análise facial no início de 2020, depois de críticas generalizadas de que a sua plataforma de IA discriminava as minorias, mas a verdade é que quase todas as grandes organizações utilizam hoje algum tipo de inteligência artificial para apoiar e acelerar os seus processos de recrutamento.

Algumas até fazem um teste de personalidade através de um scan total às redes sociais dos candidatos e a informação extraída tem um peso decisivo no processo de recrutamento, já que procura validar o perfil do candidato antes mesmo da análise detalhada do seu currículo.

Nos últimos anos, o número de empresas que recorrem (abertamente ou não) às redes sociais no âmbito de processos de recrutamento aumentou. E isso é ético? ou melhor, é legal? Pode uma empresa utilizar informações pessoais partilhadas nas redes sociais para penalizar ou favorecer um determinado candidato?

A resposta é…  depende.

O Regulamento Geral para a Proteção de Dados pressupõe que exista um consentimento formal do candidato para que a empresa possa utilizar a informação constante nas suas plataformas sociais. Ou seja, sempre que a empresa quiser considerar, no âmbito de um processo de recrutamento, as informações extraídas de plataformas sociais como o Facebook, Twitter ou Instagram - sejam elas recolhidas por si ou com recurso a empresas externas e softwares -, deverá avisar o candidato de que pretende verificar o seu perfil online. Isto porque, seja a informação pública ou privada, não é expectável que o que se partilha numa página de Facebook ou de Twitter (redes sociais fora do âmbito profissional, ao contrário do LinkedIn) possa (ou deva) ser utilizado como base de decisão num processo de recrutamento.

…Mas, isto vale o que vale, já que o candidato só sabe com certeza que o recrutador tentou obter informações suas por esta via se este o admitir.

No tempo em que vivemos sinto que cada vez mais somos só números, uma montanha de dados a ser analisada por um qualquer algoritmo….

A tecnologia é importante e a sua evolução não pode, nem deve ser travada, mas o elemento humano precisa de continuar a ser importante e às vezes as abordagens tradicionais podem mesmo ser as melhores. Como tudo na vida, encontrar o equilíbrio é o segredo.

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