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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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24.02.22

O Sangue das Palavras


The Travellight World

fullsizeoutput_63dfFoto: Travellight | Auditório do Casino Estoril | Cenário de "O Sangue das Palavras" 

 “Prefiro que as pessoas me ouçam, que me leiam… Porque não vão ler.”

 

A citação é de José Carlos Ary dos Santos e talvez ele não estivesse errado. Basta assistir à peça “O Sangue das Palavras”, atualmente em cena no Auditório do Casino do Estoril, para lhe dar razão. A sua poesia não teria chegado a tanta gente se não tivesse sido cantada.

Esta produção da Artfeist convida o público a recordar a genialidade do maior nome entre os poetas de canções em Portugal. Foi o autor de mais de 600 poemas musicados. A ele devemos a “Desfolhada” de Simone de Oliveira, “Os Putos” de Carlos do Carmo, a “Tourada” de Fernando Tordo e tantas outras músicas que ainda hoje são fortes e fazem parte da nossa memória coletiva.

A peça começa por nos pedir para imaginar que Ary dos Santos ainda está vivo, e tem Facebook e Instagram… Seria o mesmo? Teria o mesmo sucesso?

Certamente. Afinal ele era um personagem subversivo, dado a excessos e polémicas. Ter-se-ia adaptado bem à "selva" que hoje são as redes sociais.

Ao longo de hora e meia somos transportados por episódios da vida do poeta, pelos seus poemas e pelas letras, que cantadas, fazem parte da banda sonora da vida de tantos de nós.

Muitas vezes, durante a peça, senti-me tentada a acompanhar baixinho os magníficos atores/cantores, outras vezes fui (eu e o resto do público) incentivada a fazê-lo. “Lisboa, menina e moça”, por exemplo, teve um coro alto. É a prova de que poucos descreveram a beleza de Lisboa como Ary dos Santos, e poucos cantaram as suas personagens e lugares como ele: “O homem das castanhas”, “Alfama”…

O espetáculo que Henrique Feist, Valter Mira e Diogo Leite nos apresentam é uma ode ao dom da palavra do Ary. Às suas palavras fortes, ensanguentadas que sem dó nem piedade põem o dedo na ferida, denunciam a injustiça e reclamam a liberdade, indo bem para lá da sua conhecida orientação política.

Uma vez por outra o próprio poeta surge num ecrã, com toda a sua teatralidade e voz vibrante. Depois há momentos de tristeza, amargura, inquietude, solidão, que tanto marcaram a obra de Ary dos Santos. Mas há também humor, o seu humor negro: “Quando eu morrer - afirmou um dia - vai ser em glória. Vai a classe operária toda ao meu funeral, e eu sentado no muro do cemitério, a vê-los passar. Isto é que me convém, po**a! Pagam-me o funeral, pagam-me o caixão e levo a bandeira que me aconchega. É que eu sou um gajo friorento!”.

Recomendo muito, para quem quer recordar, para quem quer conhecer melhor e para quem não conhece, mas gostaria de conhecer.

 

Em cena até 27 de Março no Auditório do Casino do Estoril

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