Por Estes Dias Andará um Pastor Belga Malinois em Douchy...
Bruno
Quando sabes da morte, não cresces mais.
Domenico Starnone, in "Vida Mortal e Imortal da Rapariga de Milão"
Este não será um texto de idolatria de alguém que parte, algo muito comum e que no caso de Alain Delon, muitos daqueles que já possuem epitáfios preparados ainda os indivíduos não dão sinais de morte se devem ter esquecido. A caça ao like (ou a necessidade de dar sinal de vida para não desaparecer) em Agosto não se rentabiliza com homenagens a músicos, actores ou sequer outros indivíduos que partem e cuja obra ignoramos mas que fica bem dizer que conhecemos já desde pequeninos. Em Agosto é tempo de praia e de carpir lágrimas pelos incêndios enquanto estamos na areia a apreciar a fumaça bem lá ao longe, além de que aplaudir Delon, em alguns pode causar alguns danos na carreira
Mas não vou exaltar Alain Delon, actor que nem apreciei muito, e cujo contacto inicial com o mesmo se deu com “Il Gattopardo”de Visconti. Tancredi, louco apaixonado pela rebeldia de Garibaldi, rapidamente se começa a deixar corroer pelos vícios do novo status ou melhor, de uma espécie de manutenção do antigo mas apenas com mudança das personagens.
Hoje abordo Alain Delon pela sua paixão pelos cães… Pelo seu som preferido, o uivo do lobo e pela tremenda amizade que o ser-humano estabeleceu com os caninos. Aliás, é na quinta de Douchy que estão sepultados mais de cinquenta companheiros do actor. Talvez Delon tivesse a irreverência destes companheiros, da forma como descomplicam a vida, se é que a encaram como tal e sem sequer terem em conta o factor tempo, essa invenção humana. Uma invenção humana com mais uma recente validação (ou desvalorização) cientifica e que de repente mostra que aqueles tontos que o negavam esse mesmo tempo, afinal… Sim, o tempo não existe… Estranho, mas parece mesmo não existir. É na ausência desse tempo que Delon muito provavelmente irá partilhar o espaço com os seus companheiros.
A paixão pelos cães levou Delon a cometer muitas loucuras, algumas até em demasia com solicitar a eutanásia de um cão para que o acompanhasse na sua última morada. Na verdade, é possível amar os cães sem ser extremista e sem lhes retirar aquilo que realmente os caracteriza, não invalidando que hoje em dia já não podemos afirmar que temos cães com cem por cento dos seus instintos. Não obstante, ainda podemos entrar na discussão de que estão longe de ser descendentes dos lobos e que não são mais que uma criação humana. Talvez tema para um outro dia.
Na verdade, muito do que sou, devo-o aos companheiros cães que me acompanharam ao longo da vida e muitas das lições mais preciosas que guardo também as devo a tão peculiares personagens. Talvez seja isso, o simples facto de viverem, de nem sequer saberem que um dia vão partir (e a vida destes é tão breve) e da forma como superam os maus momentos. Como tudo é simples e no final, como na verdade nós não merecemos amigos tão dedicados… A nossa dívida para com estes é gigantesca e não existem milénios suficientes para pagar a mesma.
Por estes dias, não tenho a minima dúvida que anda um Pastor Belga Malinois algures por Douchy a aborrecer e a correr atrás de cinquentas cães que aí partilham um espaço. Esse Malinois é a reencarnação de Delon como há muitos anos este desejou. Não sendo eu crente, também quiçá um dia possa renascer como um Pastor Alemão. Quiçá um dia, por Douchy, todos estes cães possam correr e cometer inúmeras diabruras, umas num espírito mais humano e rebelde, outros na sua pura essência de serem cães… Talvez também nós pudéssemos correr um pouco pelos campos com algum espírito canídeo, não tenho a mínima dúvida que o mundo seria um lugar bem melhor.
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Para ver: de Henri Verneuil e baseado na obra de Auguste Le Breton, e claro, com Alain Delon, “Le clan des Siciliens” merece um tempo das nossas vidas. Um filme de mafiosos de 1969, mas daqueles bons.
Para ler: para além da majestosa escrita e da história, foi um livro que me aguçou a curiosidade e me fez penetrar mais a fundo a beleza das pequenas vilas e paisagens de Abruzzo e também de sair de Roma e explorar Lazio. “Il Trionfo Della Morte” de Gabriele D’Annunzio. Um dos melhores da literatura italiana e europeia dos finais do século XIX início do século XX.
Para ouvir: não querendo insistir em Ennio Morricone, mas não podia deixar passar a banda sonora do filme “Le Clan de Siciliens”. Uma daquelas coisas soberbas de Morricone e bem ao estilo de muitas OST daqueles tempos.
Para usufruir: um projeto fantástico em Pontevedra mas que é de toda a Galiza: Salmoira. Este é mais que um projeto de turismo, é um projeto gastronómico alicerçado na salga (salazón) e para além da componente de investigação organiza food tours, experiências imersivas, provas e um sem número de actividades verdadeiramente interessantes. Imperdível e tão perto da fronteira.
Para aproveitar (e também lamentar): espero que a partida da D. Alice não seja o fim do "Procópio". É a melhor homenagem que lhe podemos fazer, é por lá andar de vez em quando de copo ou tosta na mão.