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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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26.08.21

Street Photography


The Travellight World

Henri-Cartier-Bresson-selfiFoto: Henri Cartier-Bresson

A street photography ou fotografia de rua só se tornou reconhecida como um género no início dos anos 30 do século XX. Embora existissem precedentes e áreas de sobreposição com a fotografia documental e arquitetónica, este estilo tornou-se único por fazer da figura humana a sua característica mais vívida e definidora.

O seu sucesso dependia da habilidade do fotógrafo para se misturar com a multidão, observar e registar a vida quotidiana e captar a forma como o cidadão anónimo interagia com o seu ambiente.

Henri Cartier-Bresson, foi um dos primeiros a focar-se na ação humana nas ruas e a fotografar aquilo que chamava de “momento decisivo” — A ideia de que existe um momento “perfeito” para se fotografar uma cena que decorre na rua. Uma fração de segundo antes ou depois desse momento especial, diminuiria muito, no seu entender, o valor estético da fotografia.

É um conceito interessante, mas talvez demasiado restritivo, porque, o “momento” (ou fração de segundo) que apela ao meu gosto estético pode ser bem diferente daquele que apela ao gosto estético de quem está ao meu lado. Fotografia é arte e como tal, é difícil ser consensual.

O suíço-americano Robert Frank, marcou outra época e inspirou uma nova geração de fotógrafos com um livro chamado Les Américains, publicado em 1958, que continua a ser um dos mais populares e mais vendidos livros de fotografia de todos os tempos. As fotografias de Frank tinham uma qualidade crua e frequentemente aleatória, que desafiava o mundo da fotografia em geral. Eram instantes da vida.

Deu origem a muito do que hoje chamamos de fotografia de rua — momentos simples, cruéis, corajosos ou cândidos, de pessoas a fazer coisas mundanas do dia a dia.
Muitos dos fotógrafos de rua que mais tarde alcançaram a fama são herdeiros diretos do estilo de Frank. Pessoas como Joel Meyerowitz, que deu início ao uso do filme colorido na fotografia de rua e elevou o status da cor, até então considerada um tanto vulgar e inapropriada para os fotógrafos sérios e puristas que viam as imagens monocromáticas como superiores na transmissão da realidade.

A importância e relevância da fotografia de rua pode parecer diminuída nos dias de hoje. Afinal vivemos numa sociedade em que o imediatismo é aquilo que conta. A fotografia assim que é tirada, é publicada, de preferência acompanhada por cem hashtags para ter maior visibilidade. Dez segundos já é muito, o que dizer então de um dia ou mais para revelar um rolo.
A fotografia passou a ser um luxo garantido. Gratuito, tão comum quanto o ar que respiramos. Podemos tirar e ver fotos 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Será que de certa forma, isso pode diluir ou dessensibilizar o “momento” ?

A fotografia de rua, transformou-se num passatempo tão popular que o género agora produz centenas de milhares de imagens, muitas delas repetitivas e cheias de clichés. Parece que todos imitam todos, e a originalidade, espontaneidade e autenticidade desapareceu. Este tipo de imagem tem alguma relação com o trabalho de Cartier-Bresson, Walker Evans, Robert Frank, ou Diane Arbus? Tem ainda algum valor artístico ou é apenas algo para consumir e deitar fora?

Penso que o grande desafio reside na nossa capacidade de “separar o trigo do joio”.

Hoje, para ser um “fotógrafo de rua”, nem é preciso uma câmara fotográfica, basta um smartphone, e depois uma plataforma para publicar — como o Facebook, o Instagram ou um blog. As coisas não deviam ser tão fáceis nos tempos de Robert Frank, Garry Winogrand ou Lee Friedlander. Eles tiveram que investir (tempo e dinheiro) na ideia de fazer fotografia de rua, tiveram que submeter o seu trabalho a críticos e editores que, suponho seriam mais duros do que os atuais seguidores de Instagram.

Hoje, conta-se apenas com os “likes” e muitos aceitam isso como uma expressão do valor estético ou do valor artístico do trabalho. Mas de certa forma a fotografia tornou-se mais democrática. Não está nas mãos de uma meia dúzia de críticos e editores decidir o que é ou não suficientemente bom para ser visto e publicado. Todos podemos publicar e todos podemos ter acesso ao trabalho dos outros.

Às vezes penso quantos bons fotógrafos ficaram pelo caminho ou foram “apagados da história” porque não convenceram determinado critico ou editor. E será que no mundo atual, fotógrafos como Diane Arbus ou Lee Friedlander teriam vingado? É divertido imaginar uma página de Instagram de Henri Cartier-Bresson… como fotografaria ele hoje?
Talvez continuasse a ser um sucesso, afinal Joel Meyerowitz apesar dos seus 83 anos de idade, acompanhou os tempos e esta lenda viva da fotografia americana tem uma conta de Instagram com milhares de seguidores (podem ver aqui)

Como tudo na vida, a fotografia de rua evoluiu. Não é a mesma que era no século XX, nem poderia ser, essas circunstâncias nunca mais vão voltar. Mas isso não significa que o mundo em que vivemos agora não valha a pena documentar. É simplesmente documentado de uma maneira diferente.

Continuo a pensar que a fotografia de rua é, e continuará a ser sempre relevante, não apenas como arte, quando nos comove, cria empatia, nos faz rir ou chorar, mas por aquilo que nos pode mostrar da sociedade atual e aquilo que pode transmitir às gerações futuras. Principalmente quando assume uma vertente quase documental e se transforma numa janela aberta para outras realidades sociais e culturais. 

A fotografia de rua pode, consciente, ou inconscientemente, revelar injustiças, brutalidade e abusos de poder e nunca, como agora, a imagem teve tanta força.
Antes a imagem podia existir, mas não tinha onde ser divulgada. Os meios de comunicação clássicos, desvalorizavam ou propositadamente ignoravam imagens que não estavam de acordo com as regras estabelecidas. Agora porém, o fotógrafo pode partilhar as suas fotos com o mundo, premindo um simples botão.

É por isso que a fotografia de rua tem uma glória dentro dela que fotógrafos de todo o mundo como  Rui Palha, Alexandra GilJoshua K. Jackson, Dina Alfasi, Girma Berta, Anton Kawasaki, Navin Vatsa, Angelo FerriloMelissa O’ShaughnessyEfi Longinou e tantos outros, continuam a fazer brilhar.

 

"To take a photograph is to align the head, the eye and the heart. It's a way of life"
- Henri Cartier-Bresson

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