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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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28.08.20

Tiroteio no Estados Unidos. Where else?


JB

   Jacob Blake, cidadão afro-americano, foi alvejado sete vezes nas costas, por um polícia. Aconteceu no passado dia 23 de agosto no Wisconsin, Estados Unidos. Dito assim, parece mais um caso claro de racismo, mais uma brutalidade chocante, que infelizmente, já é habitual nos Estados Unidos.

  As manifestações de protesto começaram (também elas habituais) e já duas pessoas morreram por isso mesmo. Entretanto, Trump tem a sua convenção republicana (nunca o termo 'sua convenção' fez tanto sentido, uma vez que a maioria dos oradores tem apelido Trump ou é casado com alguém que tenha). Os Estados Unidos a ferro e fogo, amarrados a um ciclo vicioso sem fim à vista. Tudo isto nos relembra o caso de George Floyd, alguns jogadores de futebol americano voltaram aos seus protestos e não existem sinais das coisas arrefecerem em breve.
  Sempre ouvi dizer:  'as pessoas são inteligentes, as multidões são estúpidas', cada vez concordo mais. É conveniente por isso cada um pensar pela própria cabeça e procurar entender a realidade em vez de confirmar as suas convicções. Hoje em dia  temos sempre informação disponível e em abundância, mais ou menos objectiva (impossível ser 100% objectivo) mais ou menos credível (há sites para tudo). Aqui há a primeira grande distinção a fazer, uma questão que todos nos podemos perguntar: que tipo de pessoa sou eu? Leão ou carneiro? Os Leões usam a informação para poderem formar a sua própria opinião, ver outros pontos de vista e idealmente até mudar de ideias se for caso disso; já os carneiros procuram apenas confirmar o que já pensam (ou lhes disseram para pensar).

  Eu sou Leão.

  Seria fácil confirmar o que já escrevi sobre os Estados Unidos e os seus tiques racistas. Esta notícia do Jacob Blake não deixa margem para dúvidas 'homem negro atingido 7 vezes pelas costas enquanto estava cercado por três polícias e à frente dos próprios filhos'. Ou será que deixa?

  Vi as imagens, são absolutamente chocantes. Não é um caso de racismo óbvio e acho que não tem absolutamente nada a ver com o caso do George Floyd. Na altura que escrevi sobre o GF falei em empatia e em como acho que ela é importante. Vou tentar demonstrar a sua relevância neste mesmo caso; mais concretamente para salientar as diferenças entre os dois casos  i.e. Blake e Floyd.

  Floyd estava algemado no chão com um joelho a pressionar o pescoço, chamava pela mãe e dizia que não conseguia respirar enquanto era sufocado até à morte.

  Blake estava a afastar-se dos polícias e a dirigir-se ao seu próprio carro enquanto ignorava as ordens dos mesmos.

  Logo aqui é mais espontâneo e natural (em humanos não psicopatas) sentir uma empatia maior por George Floyd. Vejamos agora o comportamento dos polícias.

  O polícia que matou Floyd permaneceu 9 minutos impávido e sereno, enquanto outros assistiam e filmavam, a esmagar o pescoço de um ser humano que lhe pedia para respirar.

 O polícia que alvejou Blake disparou 7 vezes em poucos segundos, enquanto este se dirigia para o carro e afastava-se do sítio onde estavam ignorando as ordens de permanecer no mesmo sítio. 

  Não acho possível sentir empatia nenhuma pelo polícia no caso do GF, nem concebo tal situação. Estar 9 minutos, em cima de outro ser humano algemado, a sufocá-lo até à morte?  Não consigo.

  No caso do polícia do Blake é diferente, consigo imaginar. Um polícia, mal treinado certamente (será possível haver um 'bom' treino para situações de vida ou morte?) mas que na sua própria cabeça se convenceu que o suspeito ia buscar uma arma. Algum circuito no seu cérebro lhe disse que estava em risco de vida e como tal, o seu cérebro americano desatou a disparar a arma. A expressão 'cérebro americano' aqui tem duplo sentido, por um lado alguém que gosta de armas e cowboys (vulgo 'trigger happy') e por outro alguém que vê o tom de pele como uma ameaça em si mesmo, tem esse preconceito. Digo que não é um racismo óbvio porque acredito que esta crença já faça parte de uma espécie de inconsciente colectivo americano, acho que é um racismo mais obscuro. Consigo ter empatia por este polícia. Acima de tudo, consigo ver as diferenças entre os dois casos. 

  Vejo as notícias nos Estados Unidos e nada disto interessa. Temos os que acham que isto é claramente mais um caso de racismo institucional e como a polícia é uma desgraça que não merece receber fundos do governo (as manchetes da CNN são deploráveis e quase um incitamento ao ódio e à revolta); do lado oposto da barricada aqueles que dizem que o problema foi ele desobedecer à polícia e que algumas comunidades estão sempre é à procura de desculpas injustificadas para se vitimizarem. Nada que nos possa dar esperança de algum entendimento no horizonte.

  O polícia que assassinou George Floyd deve ser julgado e condenado como o assassino que é. O polícia que disparou sobre Jacob Blake deve ser julgado e condenado por ser um mau polícia que não soube reagir num momento de vida ou morte. 

  Importa ainda dizer que as duas pessoas que morreram em protestos foram atingidas por balas de um outro americano.  Kyle Rittenhouse, um miúdo de 17 anos, que se descreve a si mesmo como um 'admirador da polícia'. Kyle e alguns amigos juntaram-se, decidiram formar uma milícia, pegaram em armas e fizeram os cerca de 25km desde o local onde vivem até onde a manifestação iria acontecer. Dizem que foram proteger os negócios das pessoas honestas, aqueles que os manifestantes ameaçavam. Kyle acabou por matar duas pessoas. Apesar da quantidade de polícias que estavam presentes, Kyle não foi alvejado por ninguém. O Kyle é caucasiano.

 Não imagino a revolta que a família afro-americana deve sentir, infinitamente maior que a minha é certo. Uma revolta completamente justificada. Penso também que condenar este polícia específico, por mais do que ser um péssimo polícia não é justo, nem trará nada de bom. Importa atacar a doença e não os seus sintomas.

 

JB