Um feijão no universo
JB
Estranha espécie a nossa.
Não há nenhuma como nós. Quando cresci, aprendi que o ser humano era diferente dos outros por ser racional. Éramos o famoso 'animal racional' em oposição aos outros 'animais irracionais'. Fazia sentido, quando tinha 5 anos. Depois explicaram-me que éramos diferentes porque tínhamos alma. Fomos feitos à imagem de Deus e os outros animais não. Era isso que nos distinguia. Fazia sentido, quando tinha 15 anos e achava que era o centro do universo. Que era tão especial e único que obviamente tinha sido feito à imagem de Deus. Pararam de me dar explicações.
Fui crescendo, observando e interrogando. Não encontrava melhor explicação para a nossa originalidade humana. Ainda assim, a última que me tinham dado parecia cada vez mais incompleta e errada. Eu não era o centro do Universo, nem sequer o meu planeta era o centro do Universo. Existiam mais universos e uma imensidão de galáxias e planetas à volta. Dei por mim a pensar se tudo isto teria sido feito por nossa causa, uma sub-espécie de primatas num minúsculo planeta numa das galáxias. Será que toda esta imensidão do universo teria sido feita por causa dos humanos? Espécie criada por Deus e à sua imagem, ou se, por outro lado, não teria sido precisamente ao contrário. Uma sub-espécie de primatas, movida por medo e ignorância, que criou um Deus à sua própria imagem? No caso dos humanos nem criámos um, creio que são cerca de 3000 deuses, mas todos à 'nossa' imagem. E isso nota-se.
Cada vez mais e até hoje estou convencido que foi a segunda. Os humanos criaram Deus(es).
Voltei ao problema inicial. Porque somos tão especiais então? Porque somos tão diferentes de todos os outros. Temos mais de 99% de semelhança no ADN com algumas espécies de chimpanzés e somos tão diferentes, como?
Fácil. Pela fala.
Somos a única espécie que usa palavras. Que usa significantes. Isso provoca efeitos, logo no bebé que ainda está na barriga da mãe e já começa a ouvir palavras, o seu cérebro vai assimilar e incorporar lentamente essas palavras, que lhe irão permitir aprender conceitos e eventualmente, quando fôr crescido passar a outros. Para lidar com essas palavras (significantes) o cérebro cria uma consciência, um conjunto de palavras soltas que começam a funcionar de forma quase independente e autónoma. Esse bebé, a certa altura vai ver-se ao espelho. Vai perceber que tem um corpo, que tem os seus limites e que é um ser autónomo, que o seu corpo e os seus significantes constituem uma entidade com identidade própria. Isso vai dar-lhe um sentido e uma noção de importância que mais nenhum animal de mais nenhuma espécie possui, e provavelmente é injustificado.
Actualmente é esta a minha teoria, se houver melhor mudo outra vez. Somos um primata, como outro qualquer. A certa altura, na nossa evolução caótica, algum antepassado nosso lembrou-se de atribuir sons a coisas e conceitos e inventou as palavras. Os outros gostaram e passaram a palavra ('pun intended'). Esse é o 'culpado' de sermos considerados racionais (apenas por nós próprios). Foi uma série de acasos e caos que nos trouxe até aqui e assim continuaremos se não nos auto destruirmos antes.
Tudo isto dará origem a muitas coisas e é uma forma muito simples de abordar um assunto muito complexo e interessante. Para quem gosta do tema recomendo autores como Saussure, Freud e Lacan. Quem não aprecia, recomendo que fuja a sete pés destes autores. E pode fazer sempre como aquela mãe recém divorciada, a quem os filhos interpelam depois do fim de semana com o pai:
- Ò mãe ò mãe, o pai diz que nós descendemos dos macacos!
- Filhos, uma coisa é a família do lado do vosso pai, outra coisa é do meu lado.
Bom fim de semana
JB
* fotografia tirada do Twitter do Presidente dos Estados Unidos. Não consigo deixar de partilhar apesar de aparentemente não ter muito a ver com o tema do post; ou talvez até tenha.