Um Mundo de Malcriados!
Bruno
Rembrandt van Rijn - De Nachtwacht (A Ronda da Noite) - Rijksmuseum - Pormenor
Imagem: ©Bruno Nunes dos Santos
Este senhor já tem antecedentes de violência, de violação, de...de...de... alcoolismo?
Quem?... A pequena?
Não, não. O senhor que está no Magalhães Lemos. Era um senhor que bebia muito?
Ah! Bubia muito, bubia muito, era todos os dias bêbado.
(...)
E ele é uma pessoa violenta, no dia-a-dia?
O que é quer dizer, é...
Se é violento no dia-a-dia, esse senhor?... Se ele é violento?
O que é quer dizer que eu não sei assim muito...
Se ele é agressivo?
Que é mau-criado?
Sim... Sim...
Sim... é mau-criado é. Não e só para aqui, é para toda a gente.
Dos célebres apanhados da TVI que marcaram uma geração...
Confesso que não tinha grande inspiração para escrever hoje. Provavelmente o que vai sair daqui também vale pouco, mas sempre me deixa mais preenchido e com o sentimento de que honrei o convite do meu caríssimo amigo Filipe Vaz Correia. Não iria conseguir ficar bem comigo próprio se arranjasse um tema à pressão baseado na espuma dos dias, ou em dizer que gostava muito de alguém que morreu depois de uma busca rápida na internet, de chapar um cartoon ou um meme ou até celebrar uma efeméride. Além de que depois não teria capacidade para lidar com o sucesso.
E foi assim que fui salvo por uma grande senhora, de seu nome Maria João Pires que numa entrevista muito recente e de forma espectacular disse que o mundo está cheio de malcriados. Como eu a entendo... Acontece-me algo semelhante quando peço para ouvir música e me ligam a rádio ou me enviam alguns links de músicas da actualidade, sobretudo aquelas que enchem estádios ou passam na televisão e na rádio. Sinto-me como aquele indivíduo a quem perguntaram se o outro senhor era "mau-criado".
Vivemos num mundo de malcriados, na verdade a disciplina tende a desaparecer, o esforço e a luta por algo maior e acima de tudo conceber que a liberdade não pode conviver com a disciplina. Nada mais errado! Errado e até dotado de um certo cinismo, afinal os que defendem o conceito e a prática da liberdade sem disciplina são os mesmos que, mal surja a oportunidade, tratam rapidamente de trocar uma por outra... Sim, lá se vai a liberdade (dos outros) e viva a minha disciplina. Pobre Rousseau, deve estar com as mãos na farta cabeleira ao lado do Nietzche que grita, "eu mato-me, eu mato-me", isto enquanto Voltaire apela à calma e diz que tudo vai ficar bem... até o Orwell e o Huxley lhe atirarem uma pedra à testa.
E é nesse mundo de malcriados, com uma camuflagem de pessoas de bem e altamente vanguardistas e no topo da sapiência humana que acabamos por também nós, promover fracos líderes mundiais, nacionais, locais, corporativos e comunitários. E é aí que surge sempre aquele indivíduo com a caneca de cerveja na mão e que julga sempre que vai terminar em grande uma discussão sobre política com um "só temos os líderes que merecemos". Olhemos o Mundo, o mundo que temos e que tanto mas tanto mas tanto sangue fez jorrar para chegar aqui. Somos o que somos porque muitos morreram pelo bem e outros pelo mal... E muitos foram mesmo muitos... E nós? Num patamar tão elevado, estamos a deitar tudo por terra, talvez até seja por isso que nos queiram substituir por máquinas. Uma espécie de, isto assim não vai lá, vamos tentar outra fórmula.
Não faltam cabeças inchadas, entertainers de redes sociais cuja popularidade e trabalho em prol de um país são medidos em likes, muitos deles criados em autênticas fábricas de likes e comentários, algures na Ásia. Autênticos shared services do like. O indivíduo rebentou com a qualidade de vida na nossa cidade, o outro deitou abaixo as nossas finanças! Sim, mas caramba fazem uns vídeos bem porreiros, dão beijos e fazem palhaçadas nas redes sociais e na televisão. Eu voto nele, então tem 200 000 seguidores!
Não só em que nos governa, mas na vida, tudo hoje é espectáculo, mas esquecemo-nos que o mundo, a casa onde habitam os mortais, não é nenhum circo... Não seria má ideia, mas não é. Hoje vemos espectáculo e maus cidadãos que não exigem mais dos seus líderes. Líderes que cada vez mais, não falam para esses cidadãos, ignoram-nos por completo, falando para outros (quando existe um benefício) ou então para esses mesmos cidadãos por intermédio de comentadores - a nova elite. Sugiro esse exercício de aferir esta questão, mesmo correndo o rótulo de me chamarem fascista ou simpatizante de extrema-direita ou então o fofinho activista (o simpatizante de extrema-esquerda).
Sempre os mesmos por mais erros que cometam e incompetentes que transformam o mundo num barril de pólvora... Mais do que nunca, é preciso enfrentar as coisas de frente, sob pena de tudo isto correr mesmo muito mal - e ainda o podemos fazer de forma moderada e sem esperar que a sabedoria só nos chega quando não servir para nada, como diria García Márquez. Honremos pelo menos todos os outros que morreram (e morrem) para que possamos ter força, não para iniciar guerras ou actos desenfreados e violentos, mas para pelo menos abraçarmos essa herança e tornarmos isto um bocadinho melhor... Não sou utópico, sei que é impossível, mas se conseguirmos pelo menos uns 20% de impacte, já teremos feito muito.
Eu bem disse, isto hoje saiu mesmo mal... Estou a envelhecer....
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Para ler: falei nele, e não sendo desse livro a citação que fiz, encaixará muito bem "A Crónica de uma Morte Anunciada" de Gabriel García Márquez.
Para ouvir: Severija, "Zu Asche, Zu Staub". Nunca vi a série "Babylon Berlin", mas ouvi esta música pela primeira vez numa festa onde fui arrastado sem saber bem para onde ía, num subúrbio de Colónia. Não acabei propriamente em algo muito alternativo como já estava a pensar que poderia acontecer e portanto ficar marcado para toda a vida. Gosto, uma noite onde se dançou muito.
Para usufruir: uma grande iniciativa enquadrada no âmbito das "Cities After Dark" e que tem Braga na lista. Apreciem o final de tarde, a noite e a madrugada bracarense aqui. Parabéns, Braga. Já faço uso do Roteiro...
Para ver: as pessoas com quem falei e que viram este filme não se apaixonaram propriamente pelo mesmo. Como um apaixonado pela Calabria e "estudioso" da ‘Ndrangheta, gostei de "Anime Nere".