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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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22.09.22

Uma Casa de Bonecas


The Travellight World

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Na semana passada tive a felicidade de assistir no Teatro Villaret à mais recente encenação portuguesa de “Uma Casa de Bonecas” e constatei (sem grande surpresa) que a peça de Henrik Ibsen continua tão atual hoje como quando a vi pela primeira vez, há muito tempo atrás. Pode ser um texto com mais de 140 anos, mas esta história de um casamento fracassado — a segunda peça mais produzida no mundo depois de Hamlet — continua absolutamente relevante.

A peça de Ibsen conta a história de uma mulher que ousa abandonar o lar e mostra-nos como pode acontecer a separação de duas pessoas que pensavam conhecer-se, que pensavam estar apaixonadas, mas que no final pouco ou nada sabiam uma sobre a outra acabando por deixar morrer a relação sob o poder corrosivo dos seus segredos individuais.… Afinal mesmo os melhores casamentos lutam contra as perceções idealizadas e aquilo que é a dura realidade.

Nora e Torvald Helmer são como todos nós: pessoas normais, que convivem com os seus amigos, que lutam todos os dias para alcançar uma situação financeira estável, mas que tristemente tropeçam nas vicissitudes da vida. Eles não são maus nem bons; eles só querem coisas diferentes. Torvald quer uma “boneca”, um acessório perfeito que ele possa conduzir pelo braço, pôr a dançar e mostrar aos amigos, e Nora quer a sua independência, ser respeitada como o ser único que é, e não um objeto que foi passado do pai para o marido.

Muitas mulheres modernas enfrentam  as mesmas questões de amor, de autodeterminação e de família que Nora Helmer. É verdade que a maioria de nós goza hoje de mais direitos e oportunidades do que a personagem principal de Ibsen, mas quantas vezes continuamos a enfrentar as mesmas escolhas difíceis?

É fácil entender o desejo de Nora de ser mais do que apenas uma esposa, a sua vontade de escolher a sua própria vida em vez de se encaixar na do marido. E quando ela infringe a lei para salvar a vida deste (contra a vontade dele), nós também entendemos. E quando ela não recebe crédito e é tratada como uma criminosa em vez de uma heroína, nós também percebemos a sua enorme deceção. A autodeterminação pode ser um campo minado, a maioria das mulheres sabe bem disso….

No final, ela escolhe a sua própria sobrevivência em detrimento das necessidades dos filhos, que acaba por deixar para trás, juntamente com o marido, profundamente machista, que a objetifica e infantiliza.

Por todo o mundo há muitas mulheres que enfrentam diariamente a difícil escolha de ir ou ficar, especialmente aquelas que temem não sobreviver se permanecerem num casamento conturbado ou abusivo.

Eu acredito que Uma Casa de Bonecas ainda é relevante pela simples razão de que a revolução que Ibsen começou com Nora não terminou. Na verdade, há muito trabalho a fazer antes que todas as mulheres sejam livres e possam lutar sem medo pela sua autodeterminação. Apesar de todos os nossos direitos e oportunidades, ainda estamos em terreno instável….
Como diz a escritora turca Elif Shafak: “quando as sociedades retrocedem para o autoritarismo, o nacionalismo ou o fanatismo religioso, as mulheres são sempre quem mais tem a perder”.

Um forte aplauso à encenação de João de Brito e às brilhantes atuações de Madalena Almeida, José Mata, Bruno Bernardo, Diana Nicolau, Inês Ferreira da Silva e Luís Lobão.

Infelizmente a peça já não está em cena, mas quem não conhece e tem curiosidade, pode ver uma adaptação da BBC (legendada em português) aqui.

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