Toda a dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história.“

Hannah Arendt

 A Valentina, uma menina portuguesa como tantas outras, morreu. Alegadamente assassinada  pelo próprio pai que confessou o crime. Muito foi dito e escrito sobre isto. Muitos directos, entrevistas etc. 

  Contudo, existem dois pontos que quero falar relacionados com este assunto e aquilo que ele desperta.

  O primeiro, uma reflexão. Vi já há muitos anos, ser levantado num telejornal a propósito de uma notícia também ela macabra. Tinha acontecido um crime sinistro, e estava um psi (não sei se psicanalista ou psiquiatra) convidado de um telejornal a ser entrevistado pelo pivô do mesmo. O crime em questão tinha sido de um sr Sueco salvo erro, que teria sequestrado a própria filha, tido filhos com ela e assassinado alguns. Tudo alegadamente claro. Já foi há uns anos como disse e não me lembro dos detalhes. Aquilo que me lembro e que ficou gravado na minha cabeça, foi o seguinte: Nesse telejornal, o psi avançou com algumas patologias, algumas 'explicações' para aqueles crimes inomináveis, o jornalista ouviu e abriu o fórum para participação de espectadores com perguntas por telefone. Um deles, previsivelmente, vira-se ao psi e diz qualquer coisa neste género:

- E o Dr. tá aì a arranjar explicações, mas isto não tem defesa o que esse criminoso fez, é um animal tá a perceber? Não arranje desculpas, isso não é um homem, é um animal.

o jornalista, da a oportunidade ao psi de responder e interroga-o:

- Queria esclarecer o espectador que ligou do seguinte, a pessoa que fez isto, é mesmo uma pessoa não é um animal. Os animais não fazem isto, isto são comportamentos exclusivos dos humanos, e é por isso que tentamos compreender, é para prevenir e sinalizar, não é para `arranjar desculpas`. 
Aquilo impressionou-me muito, senti como verdade, os animais de facto não fazem isto é preciso ter uma perversidade, uma maldade, diria mesmo uma doença exclusiva dos seres falantes.

  O segundo ponto, algo a estar atento. Tem a ver com o distanciamento e frieza que todos precisamos, especialmente nestas alturas. Supostos jornalistas foram perguntar às pessoas na rua "acha que com este caso da Valentina deveria haver justiça popular?" surpresa, toda a gente respondeu que sim. Obrigadinho , também eu acho, se me viessem perguntar, " acha que com este caso da Valentina o miserável que cometeu o crime devia ser torturado da pior forma possível?" Também iria achar lindamente, é humano ser assim todos compreendemos. Espero que todos possamos compreender que não é assim que a justiça deve funcionar. Todos os detalhes macabros, desde a forma como o crime foi feito, ao tempo de sofrimento da pequena, tudo isto nos revolta e indigna, ainda assim temos que ser mais fortes, mais civilizados.

 Se alguém fizer mal a um filho meu, vou querer torturar essa pessoa, ser juiz e executor, mas se me aparecer um político oportunista a dizer 'excelente ideia' é mesmo isso que a justiça precisa, espero desconfiar, ou ter alguém mais lúcido ao meu lado que desconfie por mim e desmascare o miserável por se estar a aproveitar da minha fragilidade para subir uns pontinhos nas sondagens. Os animais também não fazem isso. 

 A Valentina era uma menina portuguesa de 9 anos, estamos todos mais frágeis.

JB