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sardinhaSemlata

Um espaço de pensamento livre.

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05.03.24

Vamos Andar à Chapada: A Lógica "Divergência - Convergência"


Bruno

 

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Imagem: Bruno Nunes dos Santos

 

 

People innovate when they are confident that they can question, when they are open to more radical change and when they do not fear reprisal for it.

Raghuram Rajan, in “The Third Pillar”

 

Uma das formas de ficar, e passo a expressão, arrumado numa entrevista de emprego é simplesmente afirmar que adoramos conflitos. Ainda hoje recordo o rosto de uma recrutadora perante tamanha afirmação da minha parte. Olhou para mim como se a minha pessoa fosse a personagem de D. Afonso Henriques a proferir “eu quero é andar à porrada”. Mais um daqueles mil e um processos onde não passei à frente, como é óbvio. Sim, pensavam que... A malta do recrutamento já nem pode ver.

 

Gosto de “andar à chapada”, é um facto. Aliás, também recordo em tempos alguém que me reportava, numa intensa reunião em que um outro report (a Rute) insistia numa abordagem e cabalmente discutia comigo que a sua é que era para valer: “contratas pessoas à tua imagem e depois olha, aí tens”, afirmava o João (nomes reais).

 

Contudo, demistifiquemos o “andar à chapada” que não é mais do que um processo que tem como base a promoção do conflito assente numa lógica que em tempos ouvi um alto quadro da Procter & Gamble em Geneva defender: divergência - convergência. E isto sim é um conflito, não fossem pensar que falava das tricas e demonstrações de poder (ou medo?) que normalmente ocorrem no corporate e que envolvem personagens como os “ovelhoas” ou os “bulldozers”, entre outros. Com o passar do tempo, acabei por crescer (aparentemente) e a dar pouca importância a estas últimas contendas. Sim, aqueles vídeos onde tudo é luminoso e belo nas organizações é marketing e só um tolo acredita naquilo. Até porque se assim fosse também era um aborrecimento daqueles.

 

E a lógica da divergência - convergência é sem dúvida interessante, embora confesse que num público desconfiado como o português, não seja fácil de colocar em prática, pois não é só uma questão de agenda numa reunião mas também uma questão de emoções - e nós portugueses somos muito emocionais no trabalho, aliás como os mediterrânicos em geral. Tem coisas boas, convenhamos mas… Também tem coisas péssimas.

 

Com este quadro, por intermédio da Bocconi, copiei não raras vezes o standard de alocar um slot  no final de cada reunião para “mandar calar” os que concordavam e deixar todo o espaço para os que discordavam. Quando me encontrava face a um superior, procurava também deixar para o final a minha opinião discordante quando a mesma se colocava. Algumas vezes em privado, afinal é preciso conhecer a sensibilidade de quem nos gere e como diz Sapolsky, fazer a coisa certa depende sempre do contexto.

 

Uma vezes podemos reverter completamente uma ideia e muito provavelmente noutras tantas vezes não. Convenhamos que, quem manda, tem sempre uma mão mais pesada e é preciso saber lidar com isso. Também aqui aquela ideia de que se discordarmos levamos sempre a nossa para a frente é mito.

 

Não obstante, para se conseguirem conflitos deste género, é importante ter uma cultura de organização ou até de equipa (começa por vezes pelas equipas e um dia falarei disso) assente na confiança. No final não é nem deve ser uma questão de indivíduos mas sim da organização, das tarefas e dos processos e é preciso essa confiança, mesmo para dizer algo que nos fará arrepender passados cinco minutos sem nunca cair no quem está certo e no quem está errado. Até porque, na prática estamos cada vez mais alocados a equipas multiculturais e não raras vezes com uma visão e formas de trabalhar completamente distintas das nossa e cujos inputs podem fazer toda a diferença aquando da entrega do "produto final".

 

Se é fácil de conseguir? Não! Provavelmente teremos de chegar à organização correcta e estar preparados para essa longa busca e também ter a capacidade para que, no final de muitos desses debates nos chamem de loucos ou sejamos sujeitos ao gossip, mas afinal… se formos tão bons e tão “boa onda” como apregoamos nas conferências, nas redes sociais profissionais, nas maçonarias do sempre os mesmos para as mesmas posições nas mesmas áreas, não tenho a mínima dúvida de que se tornará bem mais fácil. Diz-me também a minha experiência que é na divergência que muitos projectos ganham um boost daqueles e muitos objetivos são atingidos.

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Para ler: Do meu grande amigo e psicólogo Francisco Gavilán, um grande homem com o qual tive grandes debates de ideias (umas vezes convergentes e outras tantas vezes opostas) e me fez apaixonar pelo Chile, sugiro "Marcela". Entregue pelo próprio numa lindissíma tarde em Setúbal aquando de uma visita ao nosso país, é uma viagem pela mente de Marcela. Uma Marcela que fala e que sente e quando nos parece tão diferente, se formos corajosos, veremos que afinal talvez... 

Para ouvir: de Kodály, as "Danças de Galanta" (Galántai Táncok) é uma daquelas coisas que... Pouco mais de 15 minutos de pura riqueza que faz um bem daqueles à mente. Podem acompanhar com o Martín Codáx Arousa que abordo abaixo.

Para ver e ouvir: na Gulbenkian, a "1ª de Mahler"pela orquestra da casa promete. Está esgotado, é esperar pelas desistências.

Para comer e beber: depois de Mahler, uma ida a Norte, ao Pórtico em Braga. Mesmo junto à escadaria que nos leva ao Bom Jesus. E aqui tenho de confessar que o vinho verde da casa basta para acompanhar aqueles filetes de polvo que... Nunca mais é sábado. Se bem que, para domingo, pode-se sempre abrir uma garrafa de Martín Codáx Arousa - e nem fica longe, é só ir até às Rías Baixas, mais precisamente em Cambados, junto à Ría de Arousa. Bebido o mais fresco possível este Albariño é a pura alma do Salnés.